ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | O cinema indígena Kayapó e o corpo-câmera |
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Autor | Brener Neves Silva |
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Resumo Expandido | Os povos indígenas brasileiros vêm apropriando-se das tecnologias de registros de imagens há mais de três décadas. Os Mebêngôkre-Kayapó, do Pará, foram um dos primeiros a utilizar a câmera desde 1985, especificamente a partir de 1990, quando Terence Turner iniciou o Kayapo Video Project (TURNER, 1993). Desde então, passaram a produzir diversos vídeos por meio de seus olhares, tornando-se sujeitos de suas próprias histórias. Isto resultou, em 2015, no surgimento do Coletivo Beture Cineastas Mebêngôkre, um movimento de jovens cineastas Kayapó com diferentes aldeias, que busca dar visibilidade à cultura e à luta política de seu povo. Suas narrativas fílmicas se destacam pelos registros sobre suas vidas, atividades cerimoniais e cotidianas, visando o fortalecimento de sua cultura. Para isso, utilizam de seus próprios corpos para esta prática a partir do “corpo-cinegrafista” e dos “corpos-filmados”, afetando a imagem em dois movimentos: pelo corpo que filma e pelo corpo filmado, ambos estabelecendo uma relação entre corpo e câmera. Sobre esta relação no cinema Kayapó, Dias e Demarchi (2013, p. 153) afirmam que “o ato de filmar supõe uma relação simbiótica entre homem e máquina, uma atividade corporal mais do que uma ação baseada em regras previamente internalizadas”, ou seja, existe uma relação corpórea interdependente: o corpo-câmera-cinegrafista que, simultaneamente, registra e enquadra o corpo-filmado à frente da câmera a partir de suas práticas sociais e culturais. Suas produções representam, portanto, diferentes contextos com diversos corpos simbólicos, que parecem corresponder ao cinegrafista e ao sujeito filmado, como corpos que produzem imagens que, por sua vez, produzem corpos. Isto torna-se perceptível nos filmes do Coletivo Beture, pois o modo como se apresentam diante do equipamento videográfico demarca o uso do corpo, juntamente com a câmera, para filmar outros corpos como forma de ocupar espaços imagéticos-sonoros, visando uma comunicação interétnica e intergeracional, mediação política e registro de saberes tradicionais. A câmera torna-se, então, uma espécie de extensão do corpo-cinegrafista, que concebe enquadramentos e composições em relação aos corpos filmados. Conforme MacDougall (2016, p. 143), “talvez isto fique mais evidente quando o cineasta está empunhando a câmera, porque, então, a câmera registra seus movimentos e, paralelamente, os movimentos dos sujeitos do filme”, ou seja, a imagem é afetada tanto pelo corpo por detrás da câmera quanto pelos que estão à sua frente. Seus filmes têm em comum o fato de que o corpo do cineasta, acoplado à câmera, não está de fora deste processo no espaço-tempo da prática audiovisual indígena. Segundo Brasil e Belisário (2016, p. 604), “trata-se de um corpo que, ao filmar, marca sua presença em cena, deixando-se, por sua vez, afetar por aquilo que filma”. Pensar as relações que se estabelecem entre corpo e câmera no cinema indígena nos faz refletir também sobre a importância que assumem suas crenças cosmológicas em corpos não humanos. Esses corpos, que podem ser invisíveis para o observador não indígena, fazem-se presentes dentro e fora de campo em seus filmes, adquirindo uma instância maior na relação corpo-câmera. Os espaços fora de campo produzem uma relação por meio da qual o visível é atravessado pelo invisível, sendo por ele afetado. É como se os corpos presentes, a partir da interação com a câmera, interagissem além do que é possível observar. Desta forma, a interação entre corpo e máquina passou a ser tema de considerável discussão no cinema indígena, especialmente nos últimos anos, trazendo reflexões acerca da conexão da câmera com os corpos que ela toca, inclusive o do cineasta. Portanto, o modo como se estabelecem essas relações corpóreas frente à apropriação de equipamentos audiovisuais, neste caso, dos povos Kayapó, torna-se um amplo campo de debates e reflexões audiovisuais, narrativas e estéticas, poéticas (quanto aos corpos) e técnicas (quanto à câmera). |
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Bibliografia | TURNER, T. Imagens desafiantes: a apropriação Kayapó do vídeo. Revista de Antropologia, v. 36, p. 81-121, 1993. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/111390. |