ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A somatização da subjetividade no cinema clássico e contemporâneo |
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Autor | Isadora Meneses Rodrigues |
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Resumo Expandido | No atual regime de visibilidade do corpo, o cérebro aparece como órgão definidor do comportamento e é referido como lugar exclusivo de origem da mente. Tal cenário de redução do indivíduo à materialidade das redes neurais tem sido problematizado por pesquisadores de diversas áreas por meio de categorias como a de neurocentrismo (GABRIEL, 2018) e de sujeito cerebral (VIDAL E ORTEGA, 2019). De um modo geral, esses conceitos apontam que tal redução, longe de ser um dado científico comprovado, é uma ideologia forjada ao longo da modernidade, cujo regime de verdade se fortaleceu nos últimos 30 anos devido à proliferação das neuroimagens, produtos das técnicas de imageamento cerebral. Tais imagens deram a ver o cérebro em ação, nos fazendo crer que o pensamento finalmente teria saído do seu lugar intrínseco de invisibilidade, superando, como explica Ieda Tucherman (2010, p.39), “o último limite que Merleau Ponty tinha visualizado para a fenomenologia: jamais poderíamos ver nosso cérebro pensando”. Essa valorização social do cérebro aparece explicitamente nas artes, notadamente no cinema mainstream contemporâneo. Nos últimos anos, passamos a ver nos filmes, de modo cada vez mais recorrente, pessoas conectadas a algum tipo de dispositivo de mapeamento do sistema nervoso, o que nos dá a impressão de que temos acesso direto ao pensamento dos personagens. Nesses filmes, a subjetividade é abordada como algo que está armazenado no cérebro, que por sua vez é apartado hierarquicamente do restante do corpo e se torna justamente por isso um lugar a ser medido e controlado pelo sistema capitalista. Tendo em vista tal cenário, esta comunicação apresenta um recorte de pesquisa de doutoramento que tem por objetivo investigar as condições de emergência desse cinema cerebral por meio de uma análise comparativa das formas de figuração do pensamento no cinema ao longo de sua história. Essa discussão será feita aqui por meio do confronto entre o modelo clássico e contemporâneo, a partir do cotejo dos filmes La Glace à Trois Faces (1928), do diretor polonês Jean Epstein, e Possessor (2020), do canadense Brandon Cronenberg, obras que abordam a volatilidade da identidade a partir somatização da subjetividade, alocada no rosto e no cérebro respectivamente. No trabalho, partimos do pressuposto de que por mais que a neurociência moderna tenha intensificado a recorrência da aparição do cérebro no cinema recente, o interesse do audiovisual em construir imagens que compartilham a perspectiva dos nossos estados mentais é um fenômeno cinematográfico durante todo o século XX. O que acontece é que a figura que encarnou a subjetividade nem sempre foi o cérebro, mas outras partes do corpo humano e elementos formais da imagem em movimento. No período clássico, o lugar privilegiado de aparição do pensamento foi a face ampliada em close-up. Como já apontaram diversos teóricos do cinema, essa economia figurativa fez do rosto signo de uma identidade psicológica ao inseri-lo na temporalidade da intriga. Por meio do procedimento genealógico elaborado por Foucault (1998) — articulado aqui como método comparativo —, buscaremos mostrar que essas duas figuras que o cinema elege em diferentes períodos para fazer aparecer o pensamento contêm uma à outra. A nossa hipótese é que rosto e cérebro aparecem entrelaçados na história do cinema e que ambas as figuras apontam para uma subjetividade somática que caracteriza o modo visibilidade do corpo na atualidade. |
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Bibliografia | COURTINE, JJ; HAROCHE, C. História do rosto: exprimir e calar emoções. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2016. |