ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Cartografias de um devir feminino da realização de um doc |
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Autor | Fernanda Omelczuk Walter |
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Resumo Expandido | Tomar a experiência pessoal como ponto legítimo de partida para a contestação, denúncia de desigualdades e opressões históricas e para construção de conhecimento sobre o mundo parece ser uma marca dentro do complexo e diverso pensamento feminista. Isso porque o pessoal se confunde com o lugar doméstico historicamente reservado à mulher, enquanto o espaço público afirma sua gerência nas decisões coletivas e organização da vida social. “Interessante, mas acientífico; interessante, mas subjetivo; interessante, mas pessoal, emocional, parcial [...]”, ironiza Kilomba (2019, p. 55) junto aos demais argumentos de sua defesa por uma epistemologia que reúna o pessoal e o subjetivo como parte do discurso acadêmico, “pois todas nós falamos de um tempo e lugar específicos, de uma história e uma realidade específicas – não há discursos neutros” (KILOMBA, 2019, p. 58). É neste sentido, que Veiga (2018, p. 339), analisando produções das cineastas Agnès Varda, Chantal Akerman e Naomi Kawase, considera que quando estas “trazem suas vidas íntimas e seus corpos para as obras, elas estão desfazendo o limite entre o privado e o público. Nessa perspectiva, o fazer cinema como forma de elaboração de si, e das relações de vizinhança, é um fazer político”. É com estas premissas que o projeto de criação artística ESTUDANTES MÃES (R) EXISTEM, vinculado a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ, começou sua pesquisa para realização de um filme documentário que tem como motivação os afetos e realidades de mulheres que são estudantes e mães. Idealizado por uma aluna de teatro em 2019 e oficializado no início de 2021, composto inicialmente por oito mulheres e dois homens, sem experiência na realização audiovisual (apenas os dois homens a possuíam) decidimos intuitivamente começar uma cartografia intensiva pelo tema: escutar as mulheres estudantes mães que compunham nossa própria equipe. “Na hora dele mamar o meu corpo sentia, e o Luiz não estava comigo. Ele não podia estar ali. E aí eu ficava pensando o que ele estava comendo, se estava comendo. E ao mesmo tempo tinha que prestar atenção na aula. Era muito difícil para mim manter o foco nos estudos.” No caminhar por esse território corpo – desterritorializado e vibrátil - como é o nascimento da maternidade, a escuta intima e pessoalizada dessas (nós) mulheres tem evidenciado que conciliar estudos e criação do filho revela dificuldades, desafios, preconceitos comuns, que extrapolam o relato individual, denunciando uma realidade social violenta de desigualdade e afetações. Deste modo, além da aprendizagem coletiva de cinema - condição para o próprio sentido do projeto – as ressonâncias desse processo são também de ordem política e estética para todas as envolvidas, o que configura, no nosso entendimento, uma marca em cinema e educação, no fazer cartográfico e em um devir feminino, “que não coloca só o problema do reconhecimento dos direitos da mulher em tal ou qual contexto profissional ou doméstico [...]. Um devir feminino que diz respeito não só a todos os homens e às crianças, mas, no fundo, a todas às engrenagens da sociedade” (GUATTARI, ROLNIK, 1993. p. 73; ROLNIK, 2016). Efeitos concretos desses processos de subjetivação tem sido o envolvimento do grupo, e consequentemente o desdobramento do projeto, em diferentes ações para além do objetivo central de produção de um doc: assumir posições de representatividade em Diretórios Estudantis que dizem respeito a pautas feministas; participação em eventos sobre maternidade solo, carreira acadêmica; oferta de oficinas de criação de um dicionário de verbetes a partir do olhar da estudante mãe; convites a contribuições coletivas sobre esse atravessamentos via redes sociais e participação em editais locais de criação artística na difusão dessa temática. Esta proposta pretende acompanhar o percurso cartográfico de realização deste doc - rede de conformação imprevisível, pulsante abertura às forças vitais que nos convocam. |
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Bibliografia | GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Cartografias do desejo. Petrópolis: Editora Vozes, 1993. |