ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Reflexões sobre a patrimonialização do filme experimental |
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Autor | Liciane Timoteo de Mamede |
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Resumo Expandido | Conforme afirma Prats, o patrimônio é uma construção social, tanto é assim, que ele não se produz em todas as sociedades e não acontece da mesma maneira em diferentes lugares. Ele não é algo dado, mas idealizado por alguém ou pelo discurso de algum movimento coletivo. Além disso, "não ativa [os referentes patrimoniais, ou seja, o arsenal de representações simbólicas que permite conferir valor patrimonial a um conjunto de elementos] quem quer, ativa quem pode" e estes devem contar com o aval dos poderes instituídos de maneira a terem seus discursos validados (PRATS, 1997, p. 20-21). Assim, nenhuma ativação patrimonial é neutra ou inocente, ela se dá sempre num certo lugar e num dado momento para determinados fins. Desta maneira, é, necessariamente, sensível às transformações históricas e às circunstâncias emergentes, podendo seu entendimento e sua abrangência sofrerem mutações. Daí a importância dos embates pela legitimação de determinados objetos. Nem toda luta travada nesse sentido visa a um processo de patrimonialização, mas ela é, deste, necessariamente, uma etapa importante. No que tange às diversas expressões artísticas, a institucionalização é, via de regra, um passo crucial na direção da legitimação, pois as instituições funcionam como instâncias de validação dessas obras. No caso das artes em geral, podemos apontar enquanto foros de legitimação tanto a crítica, quanto a academia, os museus e as galerias. No caso do cinema, especificamente, é preciso levar em consideração o importante papel desempenhado pela programação, dê-se ela em ambientes de festivais de cinema, salas comerciais ou especializadas, em museus ou cinematecas ou mesmo, no caso de certos filmes, dentro do espaço de um cineclube. Michele Pierson nos lembra ainda que o trabalho de orientação exercido pela programação é, com frequência, o local primeiro da atividade crítica (PIERSON, 2018, p. 18). Além disso, a programação se apresenta, igualmente, como uma oportunidade à obra de entrar em contato com uma outra instância que, tradicionalmente, no caso dos filmes, tem crucial importância para sua validação: o público. Assim, no caso do cinema, projetar é preciso (ou, pelo menos, foi preciso no período histórico aqui em questão). Podemos afirmar que a busca por um público pautou mesmo grupos que abraçaram práticas cinematográficas alternativas àquelas preconizadas pelo cinema industrial: "Immediately I realized that making films and showing films must go hand in hand", colocou Bruce Baillie como justificativa para iniciar o cineclube que desembocaria na criação de uma das mais duradouras cooperativa de distribuição de filmes nos Estados Unidos, a Canyon (MACDONALD, 2008, p. 6). Podemos evocar ainda a experiência pioneira empreendida pelo conjunto de cineastas, críticos e entusiastas da vanguarda cinematográfica francesa que esteve à frente do circuito de cineclubes e salas especializadas na Paris dos anos 1920 com o objetivo de promover seu encontro com uma determinada audiência. Na medida em que compreendemos que não ser visto significa, no caso dos filmes, apartar-se de um circuito de reconhecimento, podemos deduzir o quanto obter espaço na programação de um local onde a obra possa ser projetada - sobretudo quando essa era a única forma de ter acesso a ela - é crucial. Daí que a maior parte dos arquivos que hoje dedicam-se a obras produzidas de maneira marginal, independente, experimental, em sua origem, tinha sobretudo a preocupação de dar a ver: nascem primeiro enquanto salas de cinema (Arsenal, Anthology Film Archives) ou com o objetivo de distribuir os filmes (Light cone). A preocupação em arquivar ou em preservar, via de regra, surge num segundo momento. Desta maneira, o que propomos aqui é uma reflexão sobre o percurso de patrimonialização desses filmes, tendo ainda como foco uma análise da trajetória de alguns dos arquivos que se propõem a abrigá-los. |
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Bibliografia | ANKER, Steve. Radical Light: Alternative Film and Video in the San Francisco Bay Area, 1945-2000. Berkeley: University of California Press, 2015. |