ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Algoritmo, vigilância e horror em documentários de crime da Netflix |
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Autor | Ana Maria Acker |
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Resumo Expandido | O fenômeno found footage apresenta múltiplos desdobramentos e um deles é o desktop horror ou screenlife, filmes realizados em parte ou totalmente por interfaces computacionais (ACKER; MONTEIRO, 2020). Essas obras trazem tramas ficcionais que se desenvolvem por telas, dispositivos móveis em uma relação de reconhecimento e estranheza pelo uso dos mesmos fora dos respectivos contextos. O estilo tem transitado para obras em streaming, em geral as que utilizam arquivos de internet, os true crime documentaries: documentários de crime. Imagens de câmeras de vigilância, registros de tribunais ou de polícia são constantes nos filmes e séries, mas a diferença agora se dá pelo uso da internet como a base das narrativas. Em algumas produções, simula-se a navegação, os sons das plataformas tais como os encontramos na exploração cotidiana desses sites. Assim, o objetivo da proposta é investigar características do uso da estética da internet e das redes sociais enquanto arquivo nos documentários de crime da Netflix e compreender como o horror se expressa na abordagem tecnológica por essas obras. Documentários como: Por que você me matou? (2021), de Fredrick Munk, Cenas de um homicídio: uma família vizinha (2020), dirigido por Jenny Popplewell, e a série Don’t Fu**k with cats: uma caçada online (2019), de Mark Lewis, constituem o corpus inicial de análise. A ligação entre medo e tecnologia é recorrente tanto em filmes como em pesquisas (ANDRIOPOULOS, 2014; SCONCE, 2000) e os novos títulos cada vez mais têm incorporado o estilo, consolidado, sobretudo, com a franquia Amizade Desfeita. Só que ao contrário de simulações de uso por tramas ficcionais, nos documentários da Netflix há uma exploração de arquivos reais, camadas de sentido com o virtual que expandem as experiências. O espectador se põe em contato com a ubiquidade da técnica em alternância entre familiaridade e estranheza com a lógica dos algoritmos, talvez hoje o mecanismo que mais aciona a relação com o desconhecido nos aparelhos. Em trabalhos anteriores, discutimos o limite cognitivo para o desconhecido do mundo a partir de Thacker (2015) através de uma reflexão acerca do entremeio tecnológico, a zona cinza não alcançada, porém que atua e impacta na existência humana. Não saber o que é feito com os dados lançados na rede acentua o medo, o desconforto, pois a racionalidade algorítmica (BRUNO, 2019) produz conhecimento, influencia comportamentos e ações muitas vezes pouco percebidas pelos usuários: “A força da racionalidade performativa dos algoritmos não está em descrever ou representar, mas sim em gerar efeitos e produzir realidades” (BRUNO, 2019). É quase como se na contemporaneidade fosse impossível pensar fora da internet (MOROZOV, 2018), dessa forma, não conseguindo raciocinar sem a web, perde-se a dimensão de outras experiências. Há o que Crary (2016) identifica como padronização da experiência pelos processos técnicos, o que teria se iniciado com a televisão ainda na metade do século XX. A economia pela atenção (PEIRANO, 2019) atua para que fiquemos o maior tempo possível conectados fornecendo dados, guiando as estratégias numéricas e maquínicas a fim de que obtenham a fonte rentável de big data que somos. O fundamental é manter as pessoas conectadas de maneira contínua, sem que se atinja um nível de saturação (PEIRANO, 2019). Nesse ambiente, a internet tem servido para inúmeras narrativas de horror, em especial as que enfatizam o temor com o desconhecido dos processos e com quem a utiliza para fins destrutivos ou maléficos. Todavia, nos documentários que apresentam a visualidade estruturada por interfaces identificamos uma presença da racionalidade algorítmica, a padronização da experiência e a disputa pela atenção como formas que potencializam o horror onde aparentemente ele não está. A leitura dessas produções se diferencia, portanto, de outras abordagens de filmes found footage que exploram experiências desagradáveis com dispositivos técnicos. |
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Bibliografia | ACKER, Ana Maria; MONTEIRO, Juliana Cristina Borges. Subterrâneos do horror e da tecnologia enquanto experiência em Amizade Desfeita 2 - Dark Web. Revista Fronteiras, v. 22, p. 69-78, 2020. |