ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Arqueologia das imagens no documentário histórico de Raoul Peck |
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Autor | Gabriel Filgueira Marinho |
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Resumo Expandido | Ao longo de um século, os documentários construídos a partir de arquivos foram palco de uma infinidade de narrativas. No entanto, embora suas temáticas e abordagens sejam variadas, esse cinema mostrou uma predileção especial por narrar as macrohistóricas nacionais e colocar em evidência (os mesmos) personagens centrais da memória hegemônica. Essa recorrência não é gratuita. A matéria-prima desses filmes - o found footage - têm lógicas próprias de agenciamento, produção, preservação e restauração. Lógicas atravessadas por marcadores raciais e coloniais. A pouca presença de corpos pretos nos acervos das instituições de memória constitui um desafio para a construção de narrativas não-brancas para os realizadores engajados com essa tradição de documentários. Em última instância, essa condição torna os arquivos, cedocs e cinematecas espaços pouco convidativos para pensar um cinema negro. Ou uma História negra no cinema. Diante deste cenário, reconstruímos o caminho de pesquisa percorrido pelo cineasta afrodiaspórico Raoul Peck para a realização de seu primeiro filme de não-ficção, “Lumumba: a morte do profeta” (França, 1990). Uma obra localizada na tradição do documentário de arquivo e que contornou os desafios de extrair a iconografia de um protagonismo negro de instituições organizadas por uma editoria nacional, colonial e branca. Um trabalho que resultou na cinebiografia de Patrice Lumumba (1925-1961), líder político pela independência do Congo. Quais acervos foram visitados? Como estavam organizados? Que materiais lhe foram negados? Trata-se da continuidade de um estudo iniciado em 2018 a respeito da linguagem do diretor de origem haitiana na forma como esse constrói o passado em suas narrativas documentais. Aqui, estamos interessados em reconstruir seu percurso por diferentes instituições de memória, mapeando seu caminho na pesquisa e negociação desses espaços. Nessa pesquisa, nos perguntamos por que as imagens de arquivo pesquisadas e licenciadas para o filme de Peck vieram principalmente de três países: França, Bélgica e Alemanha? Entre eles, o Musée Roayal de l’Afrique Centrale, o INA - Institut National de l’Audiovisuel e a BRT - Belgische Radio en Televise. As três maiores fontes visuais e nenhuma delas do próprio Congo. Quais são as implicações de espaços estrangeiros monopolizarem o acesso a nossa memória? Ainda sobre o tema da raridade dos registros audiovisuais — e sobre seu monopólio —, nos minutos finais do documentário, temos a imagem em movimento de Lumumba logo após sua captura. Ao usá-lo, o diretor preferiu preservar o cinejornal do qual extraiu o registro quase integralmente, indicando assim a fonte do conteúdo. Com o título de “Lumumba arrested”, seu locutor original descreve as imagens com uma narração onisciente e onipresente. O material de 1961 da British Movietone News dá o tom da celebração do momento da prisão de Patrice Lumumba a partir do olhar de instituições interessadas em manter a ideologia colonial. A trilha sonora é, para dizer o mínimo, apoteótica. Trinta anos depois, quando Peck requeriu esse mesmo conteúdo para imprimir um novo olhar sobre essas imagens, não lhe é negado o acesso. Mas teve um preço. Na época, três mil dólares pelo minuto. Em valores correntes de 2020, aproximadamente cinco mil e setecentos dólares. Esse foi o preço da ressignificação das imagens usadas. Ou do acesso a própria a memória. Esse mapeamento, chamamos de arqueologia. E sobre ela pesam alguns entrecruzamentos importantes sobre as teorias de arquivo e o pensamento afrodiaspórico. Afinal, a problemática das ausências levantada por Carolyn Steedman ao tratar do espaço dos arquivos precisa ser repensada à luz de uma alienação racial socialmente construída que trata Franz Fanon. Da mesma forma, um espaço desenhado para conservar a memória nacional precisa de uma revisão crítica de Stuart Hall sobre identidades diaspóricas. Que memórias estão ali? |
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Bibliografia | BAMBA, M. MELEIRO, A. (orgs.). Filmes das África e da diáspora. Objetos de Discursos. Salvador: EdUFBA, 2012 |