ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Whose Streets: de quem são as ruas e de quem são as imagens das ruas? |
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Autor | Pedro de Alencar Sant'Ana do Nascimento |
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Resumo Expandido | Talvez seja preciso retornar à Los Angeles de 1992 para ver um protesto antirracista norteamericano que chamou tanta atenção quanto Ferguson, cujos protestos tiveram início em agosto de 2014 e consolidaram a cidade como uma espécie de berço do Black Lives Matter. Certamente por conta disso, os documentários que se propõem a falar do Black Lives Matter passam por Ferguson, seja filmando na cidade, seja usando imagens do movimento. Nesta apresentação, falaremos de um documentário que lançou um olhar sobre os protestos ocorridos na cidade: Whose Streets, de Sabaah Folayan. Nosso objetivo é, acima de tudo, entender como os acontecimentos tão vistos por vídeos em redes sociais e tão cobertos pela mídia de massa foram entendidos pela cineasta como ainda carentes de novas narrativas e representações. Ou seja, partimos do pressuposto de que o Black Lives Matter ainda é um movimento antirracista em ampla discussão (não só nos Estados Unidos), e enxergamos o cinema do período como inserido nessa espécie de disputa pela representação dos eventos, ativistas e pautas. Veremos como Folayan, através de sua própria montagem, questiona escolhas de montagem na cobertura televisiva, ao evidenciar uma farsa análoga, no filme, à cobertura dos protestos de Los Angeles, em 1992. Essa comparação é estabelecida não só imageticamente como também discursivamente. Tal como apresentada por Folayan, o foco da cobertura jornalística é o caráter violento e criminoso dos protestos. Refere-se a alguns manifestantes como "grupos de ladrões", mais tarde a outros como usuários de drogas. As imagens televisivas trazidas por Folayan são, em geral, de saques e de manifestantes jogando pedras na direção dos policiais, além das figuras dos jornalistas e apresentadores em seus estúdios tecendo comentários. No entanto, há uma escolha por parte do documentário que discutiremos. Algumas imagens televisivas são amadoras, algo que pode ser visto graças a legendas que mostram que a imagem é reproduzida. A partir disso, Folayan diz, dentre outras coisas, que a imagem televisiva não é uma imagem da violência por parte dos manifestantes por conta de um limite de acesso temporal ou espacial a outros momentos e espaços do protesto. Em vez disso, a imagem é escolhida, e esse aspecto de seleção da cobertura jornalística se dá também através da montagem. Outras imagens além daquelas que foram reproduzidas existiam. No entanto, é através de um processo de seleção, vinculado a um discurso, que uma ou outra surge na cobertura. Veremos, também, que além de Folayan negar a cobertura midiática de Ferguson como fiel aos protestos, segue um caminho de associar as redes televisivas com a estratégia policial de repressão. Argumentaremos que essa aliança entre polícia e o noticiário, apontada pelo filme, está alinhada com DONOGHUE, TICHENOR e OLIEN (1995), quando estes questionam a interpretação da mídia tradicional como "cão vigia" das instituições, e sugerem que, ao contrário, ela funcionaria como "cão de guarda" para grupos com poder e influência – grupos que teriam seus interesses defendidos pela polícia. Portanto, tal aliança, segundo os autores, mas também segundo ANTONY e THOMAS (2010), que trazem essas discussões para o caso Oscar Grant – contexto mais próximo do aqui abordado – é uma aliança real e não pode ser entendida apenas como pontual e presente apenas em Ferguson. Ao sugerir essa aliança, Folayan apresenta-se como alternativa para o acesso a uma totalidade negada e a imagens não-inventadas. Por isso, apesar de estar ali, filmando os eventos, lança mão de muitos vídeos captados por outros manifestantes, e os entrelaça com depoimentos de atores do processo. Insere-se, desta forma, na disputa pela representação de Ferguson, e sugere que neste processo questões de natureza ética devem ser levadas em consideração. |
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Bibliografia | ANTONY, M. G., THOMAS, R. J., ‘This is citizen journalism at its finest’: YouTube and the public sphere in the Oscar Grant shooting incident. New Media & Society, v. 12, n. 8, 2010. |