ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Metamorfoses de uma cidade |
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Autor | Lucas Bastos Guimarães Baptista |
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Resumo Expandido | A publicação do primeiro texto de Annette Michelson dedicado exclusivamente ao cinema, em 1966, marcou o seu retorno a Nova York, após uma década de trabalho em Paris. Nos EUA, Michelson cada vez mais concentrou sua atenção no cinema experimental, sobretudo a produção associada à Film-Makers’ Co-Op, e no cinema soviético dos anos 1920, especialmente as obras de Sergei Eisenstein e Dziga Vertov. As vanguardas americana e soviética constituíram, assim, os principais objetos em sua bibliografia, um dado representado mais claramente pelas duas coletâneas organizadas no fim de sua vida: On the Eve of the Future: Selected Writings on Film (2018) e On the Wings of Hypothesis: Writings on Soviet Cinema (2020). Em número consideravelmente menor, e sem uma organização mais explícita, os ensaios que abordam filmes franceses constituem uma vertente pouco explorada em sua obra. São textos publicados em diferentes épocas e revistas, mencionando a produção francesa muitas vezes de passagem. Nesse quadro, duas recorrências chamam a atenção. A primeira é a centralidade dada à representação de Paris. A cidade é não apenas o pano de fundo, mas um elemento fundamental nos filmes tratados por Michelson; é à arquitetura particular da capital francesa e às transformações desse espaço pela técnica cinematográfica que ela se refere com frequência. A segunda é a herança do surrealismo. A partir da obra de André Breton, e tangenciando a leitura do movimento por Walter Benjamin, Michelson enfatiza nesses filmes a subversão ou transfiguração da realidade pelas técnicas cinematográficas. O sistema de olhares e gestos, a incessante troca de objetos e textos que constitui o suspense e o espetáculo em uma obra como Les Vampires (Louis Feuillade, 1914-15), será então citado por ela como exemplar da “guerra surrealista contra as aparências”. A trama de Feuillade expõe com as inúmeras ligações no complexo de edifícios e instituições – mansões, hotéis, escritórios da polícia ou do jornal – uma dimensão conspiratória que subjaz à sociedade burguesa. Na circulação dos personagens por Paris, Michelson notará como os encontros fortuitos buscados por Breton revelam os desígnios de uma organização criminosa. A cidade como sistema ou circuito é também o motivo reconhecido por ela em Paris qui dort (1924), de René Clair. Com a paralisação do movimento pelo dispositivo do cientista, o espaço cinematográfico torna-se um duplo da cidade real, e a Torre Eiffel, símbolo máximo da cidade, torna-se a matriz visual para as várias estruturas modernas com as quais os personagens se deparam em suas deambulações. Imóveis como esculturas, em posições cômicas, as pessoas são igualadas a objetos, e as ações ganham contornos insólitos, como se emblemáticas das forças que as iniciaram. Mais adiante, com a disputa pelo controle da máquina, a alternância entre movimento e estase coloca em primeiro plano a importância dos movimentos para a própria economia urbana, e a figura do cientista como duplo do cineasta. Como em seus escritos sobre Vertov, Michelson aponta a reflexividade no filme de Clair. Alphaville (1964), de Jean-Luc Godard, será outro caso apontado nessa relação, como um filme que articula a tensão entre “locação” e “deslocação”. A modificação da imagem da cidade por Godard – por enquadramento, por iluminação, por nomenclatura – é vista por Michelson como a forma de um futuro corromper o presente, ou a imaginação invadir a realidade. A filiação surrealista é reconhecida no próprio filme, com menções a Paul Eluard e ao motivo do encontro erótico e revelatório entre o protagonista e uma mulher (tema central de Nadja, romance de Breton). |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. “O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia”, in Obras escolhidas, vol. 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987. |