ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | O fim do corte? O filme-plano, o plano-filme e o corpo zumbi do cinema |
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Autor | Silvia Okumura Hayashi |
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Resumo Expandido | O início do texto Observations on the long take descreve o registro do assassinato de John F. Kennedy pela lente de um cinegrafista amador. A imagem é capturada num único plano e registra algo que em breve irá desaparecer. Este é o ponto de partida a partir do qual Pier Paolo Pasolini irá definir uma analogia entre o corte cinematográfico e a morte. Se a morte é aquilo que dá à vida o sentido que a ela atribuímos, o corte é aquilo que dá ao plano cinematográfico o seu sentido. O corte, uma operação de montagem, estabelece aquilo que descrevemos como um plano cinematográfico. Trata-se de uma imagem cujo início e fim acontecem diante dos nossos olhos. O plano sequência, em sua definição, não é apenas um plano de duração estendida, ele contém acontecimentos equivalentes aos de uma sequência. A subjetividade desta distinção torna a abstrata e difícil a diferenciação entre o plano longo e o plano sequência (AUMONT, 2003). Uma nova dificuldade se acrescenta a este problema, o da visibilidade do corte. A experiência cinematográfica de acobertamento de cortes para produzir planos longos tem episódios como o de Cortina Rasgada (dir. Alfred Hitchcock, 1948), um filme mais lembrado pelo uso de artifícios engenhosos para esconder cortes do que por outros motivos. A digitalização do processo de produção de filmes trouxe para a produção audiovisual uma série de ferramentas de construção de imagens que podem tornar cortes invisíveis, realizando de forma plena o que Hitchcock exercitou em Cortina Rasgada. O cinema digital muitas vezes é associado aos efeitos visuais que produzem universos fantásticos, mas é preciso notar que a digitalização renovou o fôlego de um tema cinematográfico que parece jamais se esgotar: o plano sequência. A história da cinematografia tem inumeráveis planos-sequências, de A Marca de Maldade a Soy Cuba, de Profissão Repórter a Week-End. Desde a mudança de suporte de produção outros planos sequências ou mesmo filmes em plano sequência dão corpo a um inventário cada vez mais numeroso e que agora incorpora uma diferença: a invisibilidade do corte, que resulta em filmes sem cortes, constituídos por único plano. A Arca Russa de Sokurov inaugura, em 2002, uma forma de filme-plano ou plano-filme da qual Birdman ou 1917 se apropriam. Os cortes invisíveis são apenas um dos muitos vieses que podem definir uma possível nova ontologia do cinema digital (RODOWICK, 2007). O corpo, assim como o plano, é uma unidade que podemos aferir com os olhos. Um ator que interpreta um personagem é um corpo cuja imagem vemos na tela. Essa associação é imediata, mas nela existe um componente de montagem audiovisual. À maneira da geografia criativa de Pudovkin, um corpo cinematográfico pode ser composto a partir da montagem de imagens de diferentes corpos. A noção de que pode haver um dublê para uma parte do corpo ou de que um corpo pode ter a voz de outro através do artifício da dublagem faz parte do imaginário popular do cinema (BOILLAT, 2010). As ferramentas de construção de imagens digitais podem hoje produzir corpos que misturam partes de diversos corpos naturais e sintéticos produzindo algo que podemos apontar como montagens com costuras invisíveis. A bailarina Nina em O Cisne Negro ou o personagem Benjamin Button no filme de David Fincher podem ser descritos como frankensteins digitais, corpos que ganham vida através da montagem de pedaços de diferentes corpos: o rosto de Natalie Portman no corpo de uma bailarina profissional ou o rosto de Brad Pitt no corpo de um ator octogenário. O sentido do corte definido por Pasolini em Observations on the long take, se perde diante desses corpos rendidos digitalmente e dos filmes-plano contemporâneos? Estaríamos agora diante de uma espécie de morte do corte cinematográfico? |
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Bibliografia | AUMONT, J. Montage Second revised and expanded edition. Montreal: Caboose, 2020. |