ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A mise-en-scène perspectica: de Bazin a Tarkovski |
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Autor | David Thyago Luiz Silva |
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Resumo Expandido | Esta pesquisa aborda a condição ontológica da imagem, segundo o pensamento de André Bazin em diálogo com a construção da mise-en-scène no cinema de Andrei Tarkovski. No trabalho de Bazin "Ontologia da imagem fotográfica", ele observa, como explicou Ismail Xavier na apresentação de O que é o cinema?, “que a perspectiva da Renascença constitui um ‘pecado original’: retirou a inocência da representação e reduziu a arte à imitação da aparência, ao ilusionismo que o barroco veio radicalizar”. A perspectiva, portanto, é a criminosa, cuja ofensa derrubou, de alto a baixo, toda “dimensão estética (a expressão de realidades espirituais) [...], curvando-se ao desejo de duplicação, à imitação que quer salvar o ser pela aparência.” (XAXIER in BAZIN, 2014, p. 22). Bazin diz que a profundidade de campo afeta a relação do sujeito com a imagem, modificando o sentido da imagem. Modifica porque, segundo ele, independe do conteúdo da imagem, mas de sua forma. E porque implica “uma atitude mental mais ativa e até mesmo uma contribuição positiva do espectador à mise-en-scène” (BAZIN, 2014, p. 108); ou seja, o nosso olho não vai aonde quer o diretor, como fazia Eisenstein, mas estamos livres para direcioná-lo por onde a experiência mesma da imagem nos guiar. A aposta desta pesquisa é que isso é muito maior em uma perspectiva inversa do que no uso da profundidade de campo. Com isso, não estou anulando a verdade e até a beleza estética da profundidade, apenas apontando outra direção. Na perspectiva linear, o ponto de fuga, o interesse, a direção do olhar do espectador, repousa no interior da imagem, entramos na imagem em certo sentido; ao contrário, na perspectiva inversa, o ponto de fuga encontra-se fora da imagem, isto é, no espectador. Neste sentido, a imagem entra em nós, ela nos penetra, sua presença espiritual nos salta. Em ambas perspectivas, diz Neide Jallageas, há formas artificiais de organização do espaço plano (JALLAGEAS, 2007). O artista imprime na imagem a tensão mesma entre o mundo que o rodeia e sua percepção desse mundo. A técnica da perspectiva inversa é o método utilizado por Tarkovski para realizar seus filmes. Neste processo, a mise-en-scène é componente essencial da imagem cinematográfica. Há também a montagem, enquanto prolongamento da experiência fílmica, mas a mise-en-scène é que constitui a experiência. Se entendermos a mise-en-scène como a disposição e o movimento de objetos em relação à área de enquadramento, Tarkovski, por sua vez, parte de uma lógica muito psicológica: “a mise-en-scène nasce do estado psicológico de personagens específicos”, por isso, em sua construção, o diretor trabalha “através da dinâmica interior da atmosfera da situação” para daí “reportar tudo isso à verdade do fato diretamente observado e à sua textura única”. (TARKOVSKI, 2010, p. 85). É comum vermos em sua obra imagens com as estruturas de corcunda dos ícones, razão pela qual também influencia na perspectiva inversa, como estabelece também uma forma com Déesis, conjunto de ícones fixados em antigas igrejas. Na realidade, a sensação corcunda das personagens de Tarkovski é bem comum, sobretudo com uso das nucas. A nuca é algo que preenche toda sua filmografia. Outra situação é a quebra de eixo quando dois personagens conversam. Cada personagem olha para uma direção diferente. Configura, portanto, uma “mise-en-scène perspéctica”. O uso da perspectiva inversa no cinema, sua mise-en-scène, remete não só aos ícones, como, e exatamente por isso, põe em funcionamento toda a teoria da ontologia da imagem de Bazin. O que Tarkovski fez através do cinema, foi reabrir as janelas da possibilidade da imagem, escondidas outrora na Idade Média e em parte do Renascimento. |
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Bibliografia | BAZIN, André. A evolução da linguagem cinematográfica. In: O que é o cinema? São Paulo: Cosac Naify, 2014. |