ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Acelera! Cinema, uma questão de velocidade |
|
Autor | Julio Bezerra |
|
Resumo Expandido | Acelerar! Parece não haver outra escolha. Nos últimos anos, questões sobre velocidade e ritmo tornaram-se o foco de um debate agudo e frequentemente polarizado em uma variedade de contextos estéticos, políticos e críticos. Tornou-se uma espécie de truísmo dizer que vivemos em um mundo cada vez mais rápido, sempre ligado e em movimento. “Chegamos à época do nanossegundo”, diz James Gleick, apocalipticamente. Sem dúvida, um dos desafios mais visíveis no cinema contemporâneo hoje é negociar a velocidade crescente da forma e da cultura cinematográfica. Essas ansiedades sobre a velocidade como um sintoma de nosso mal-estar cultural também foram transferidas para os debates sobre a estética do cinema, ora apoiados em conceitos como os de “continuidade intensificada”, “pós-continuidade” ou “estética acleracionista”, ora em defesas apaixonadas por uma espécie de resistência em torno do que se chamou de cinema “lento (slow)” ou “contemplativo”. O que ainda nos parece pouco investigado é a forma como os novos processos e tecnologias de digitalização e modelização engendram maneiras diversas de ver os filmes. Por meio de variados programas e plug-ins, os computadores já haviam tornado possível alterar a velocidade de reprodução. Essa nova realidade vem se intensificando. Para espanto de grande parte da classe artística, a Netflix passou a permitir que as pessoas escolham a velocidade com que desejam assistir o conteúdo contido na plataforma. Os espectadores têm a sua disposição velocidades de streaming mais lentas e mais rápidas, com correções de áudio e legenda - opções tímidas se comparadas àquelas que o Youtube oferece, por exemplo. “O recurso foi muito solicitado pelos membros durante anos”, disse Keela Robison, vice-presidente de inovação de produtos da Netflix, enfatizando, sobretudo, o quanto essa nova opção agrega aos assinantes surdos e cegos – e, de fato, a novidade foi encarada com elogios pelas mais importantes associações norte-americanas de surdos e cegos. Será mesmo que este suposto compromisso social está na base desses novos recursos de visualização? Essa tecnologia não estaria mais carregada de um espectro neoliberal, afirmando a precedência do cliente? A experiência cinematográfica não anda cada mais vez solitária, individualizada e personalista? Não estaria também mais analítica? Pois os adeptos dessa nova forma de visualização tendem a classifica-la não somente como mais eficiente, mas, sobretudo, como mais prazerosa - para alguns, o ritmo mais rápido torna mais fácil apreciar o fluxo da trama e a estrutura das cenas. Afinal, existe uma maneira certa de ver um filme ou, quem sabe, uma velocidade na fruição que possa ser chamada de “normal”? Que forma ou velocidade seriam essas? Quem teria autoridade para determiná-las? O autor? O crítico? O espectador? O cinema não é um sistema dinâmico que se transforma de acordo com as circunstâncias, em conformidade com os novos desafios que lhe lança a sociedade? O objetivo desta apresentação é pensar esses modos (demasiadamente) contemporâneos de ver cinema. É preciso, contudo, ter cuidado: o que passa por progresso (especialmente progresso teórico) muitas vezes simplesmente desloca problemas não resolvidos para um novo material ou conjuntura tecnológica e histórica, ignorando as variadas complexidades da fotografia e do cinema. O cinema está sempre na nossa frente: é um meio em constante mudança e a teoria está sempre se esforçando para acompanha-lo. É isso que pretendemos fazer nesta apresentação, caminhando por alguns falsos dilemas e outras tantas questões, como um diálogo cada vez mais forte com o chamado primeiro cinema, a curiosamente constante e melancólica ideia da “morte do cinema”, a sétima arte como uma experiência cada vez mais individual e solitária, o ritual da exibição sendo atravessado pelo discurso neoliberal (muitas vezes travestido de “progressismos”) e por uma experiência cada vez mais “digitalizada”. |
|
Bibliografia | CRARY, Jonathan. 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014. |