ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Abraço do mundo: experiência e fazer da experiência na direção de arte |
|
Autor | Monica Poli Palazzo |
|
Resumo Expandido | Lembro-me de quando estive em um salão de beleza aqui ao lado de casa, pela primeira vez, e a manicure, Selma, fez a inevitável pergunta: "você trabalha com o quê?" Eu respondi, "sabe quando você assiste um filme, uma série, ou novela? Tudo aquilo que está em volta do personagem - como está vestido, penteado, se tem batom, cicatriz ou tatuagem - é o meu trabalho, juntamente com a equipe da qual faço parte, isso é direção de arte." É esse mundo que está em volta do personagem que me interessa, tal como me interessa o mundo que está em volta de mim, com toda a sua materialidade; o "abraço do mundo", que me impacta diariamente, cujas consequências persigo um tanto mais conscientemente quando estou fazendo direção de arte, esses mundos que crio para convidar quem assiste a ser sensibilizado por uma história em um projeto audiovisual. A direção de arte e o cinema, como campos expressivos, estão na minha vida desde o final da adolescência. Isso modelou a forma como meu corpo, de modo geral, é afetado pelo mundo. O mundo com suas imagens, principalmente as visualidades e sonoridades das situações cotidianas, assim como a lembrança das experiências vividas, chegam até mim como cinema. A direção de arte é um campo de exploração de expressividades audiovisuais, que tem como ponto de partida a experiência do ser no mundo, e como horizonte, a ampliação e intensificação dos sentidos que uma experiência estética pode desencadear, singularidade que a classifica, a meu ver, como um dos meios mais abrangentes dentro do processo criativo do audiovisual. O espaço material - e seus objetos - no qual nos encontramos em determinado momento ao longo do dia, em nossas vidas cotidianas, não é, ele mesmo, o mediador responsável pela nossa relação com o mundo? Essa pergunta me leva a pensar sobre os mecanismos pelos quais a experiência cotidiana é cravada em nossos corpos. Como se dá a impressão de tangibilidade do mundo em nós? De mãos dadas para esta busca, autores como Bondia (2002), Gumbrecht (2010), Perniola (1991) e Rancière (2005) criam um patamar elástico acerca da experiência enquanto relação do ser no mundo, e da experiência estética como "momentos de intensidade especial" com os quais podemos nos deparar em nosso cotidiano. Esse patamar me impulsiona à reflexão sobre o saber da experiência, que configura "uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo)" (BONDIA, 2002, p. 21). O saber da experiência que me interessa é esse adquirido conforme vamos respondendo ao que nos acontece na vida, e como vamos criando sentido ao que nos acontece. Ele se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana, sendo a experiência uma mediação entre ambos. Como acontece algo que nos acontece? Como se dá a experiência vivida do ser no mundo? E uma experiência estética? Produção de presença, impacto das coisas do mundo nos nossos corpos, e oscilação entre efeitos de presença e de sentido, às quais se refere Gumbrecht, dotam o objeto da experiência estética de componentes de instabilidade e desassossego, e apontam um caminho a ser trilhado com paisagens de potência. Como abrir espaço para a experiência um mundo repleto de imagens de todas as naturezas cujo acesso é tão rápido e logo substituído por outra imagem, tornando-se assim, efêmero; repleto de assuntos dos mais diversos campos que nos atingem sem qualquer aviso ou pedido de licença; de urgências das mais variadas complexidades que nos atravessam e muitas vezes nos tiram a possibilidade de uma sensação mais intensa e/ou uma reflexão mais atenta; da enxurrada de informações, muitas vezes rasas, que nos impedem de deixar a mente vazia para a descoberta de outros mundos e para a criação de novos possíveis? Do encontro com Selma, numa tarde de sábado, nasceu a ideia para este texto, e agora, junto aos participantes da Socine, coloco-me a refletir. |
|
Bibliografia | BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação, Jan/Fev/Mar/Abr, n. 19, 2002. |