ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Sobre poder e papeis de gênero |
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Autor | Luíza Buzzacaro Barcellos |
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Resumo Expandido | O gênero é uma categoria perpassada pelo poder (BONETTI, 2012) que delimita quem em nossa sociedade têm privilégios, e quem, ao contrário, ocupa lugares subalternos. Uma série de papeis e estereótipos são impostos à homens e mulheres desde o seu nascimento, quando se identifica a genitália que o bebê possui. Enquanto às mulheres se atribui tudo o que é ligado a atividades domésticas, maternais e de cuidado; aos homens se destinam atividades do âmbito econômico, político e público. No entanto, não só o gênero delimita a construção da identidade de um indivíduo, mas também a raça, a classe, a sexualidade (CRENSHAW, 2002). Esses marcadores, portanto, identificam o sujeito que está no centro do poder: o homem, branco, burguês e heterossexual. Todos os que desviam desse padrão hegemônico são considerados “outros”, portanto, inferiores. Além disso, é importante delimitar que valores de gênero não permeiam só os corpos, mas todas as coisas do mundo. Por isso, tudo aquilo com atributos ligados ao masculino tem valoração maior do que o que é ligado ao feminino (VEIGA DA SILVA, 2015). Os filmes, enquanto produtos culturais e comunicacionais, têm um amplo poder simbólico, por influir, ou ao menos gerar reflexão e crítica, no cotidiano daqueles que os assistem. Por isso, neste resumo, proponho analisar a construção de gênero presente nos personagens principais de dois filmes de ficção brasileiros: Casa Grande (2015) e Que Horas Ela Volta? (2015). Os filmes retratam os contrastes sociais entre famílias com alto poder aquisitivo e seus empregados, mas as tensões entre os personagens ultrapassam as diferenças de classe – percebe-se, também, a ruptura e o desconforto com os valores hegemônicos de gênero. Destaco duas cenas, uma em cada filme, em que esses tensionamentos ocorrem quando a educação e a formação dos personagens vêm à tona, dando valoração e tratamento diferentes para eles. Em Casa Grande há ao menos três cenas em que Nati, filha de Hugo e Sônia, é ignorada, enquanto seus pais dão total atenção ao que Jean, também filho do casal, fala. Em uma das cenas (56min56s-57min48s), todos estão à mesa fazendo uma refeição quando Jean chega com o seu boletim escolar para mostrar aos pais. Ele apresenta notas altas nas disciplinas de ciências exatas e é elogiado pelo pai. Enquanto isso, Nati fala que tirou notas baixas nas mesmas disciplinas e é ignorada por pelos pais e pelo irmão. Nati se irrita e sai da mesa fazendo um forte barulho com a cadeira e então é repreendida pela mãe. Já em Que Horas Ela Volta? a tensão de gênero é causada justamente por uma personagem que, além de mulher, é pobre, rompendo com diferentes paradigmas ligados a esses marcadores sociais. Na cena (30min29s-33min36s), a família composta por Bárbara e Carlos, pais de Fabinho, estão à mesa enquanto mexem nos seus celulares. Val, a empregada doméstica, chega e os patrões pedem para que ela lhes apresente sua filha, que acaba de chegar de viagem para prestar vestibular na cidade. Bárbara elogia a beleza de Jéssica, filha de Val, e a presenteia com um buquê de flores. Ao longo da conversa, a jovem é questionada por Bárbara sobre qual curso pretende cursar. Quando ela responde que é Arquitetura todos se espantam, por acharem que, enquanto mulher pobre, não tem condições de ingressar num curso tão concorrido – inclusive a família rica olha para Jéssica com um ar de pena. Quando Jéssica fala que entende a arquitetura como um instrumento de mudança social, olhares de deboche são voltados a ela. Nestas duas cenas fica claro o peso que as convenções hegemônicas de gênero têm na sociedade brasileira, guardando diferenças, mas ultrapassando classes sociais. Os filmes são obras de ficção, mas retratam um recorte da realidade de muito indivíduos que detêm privilégios em função do seu gênero, raça, classe e sexualidade, o que, em contrapartida, desemboca em tantas desigualdades. |
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Bibliografia | BADIOU, A. Pequeno manual de inestética. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. |