ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Fronteiras da alteridade na representação de refugiados no audiovisual |
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Autor | José Augusto Mendes Lobato |
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Resumo Expandido | Tradicionais campos de enunciação da alteridade, as narrativas audiovisuais, por força de sua conexão com o tempo histórico, têm sido gradativamente povoadas por histórias sobre deslocamentos forçados – uma questão geopolítica que se agravou nas primeiras décadas do século XXI. Dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) apontam que 79,5 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar no mundo até o final de 2019. Hoje, Síria (6,6 milhões), Venezuela (3,6 milhões) e Afeganistão (2,7 milhões) são os protagonistas da situação mais crítica em volume de refugiados e deslocados. No Brasil, em específico, o Observatório das Migrações em São Paulo (OBMigra) mapeou pouco menos de 1 milhão de imigrantes e refugiados. Ancorados no estudo da representação de universos socioculturais em diferentes registros de ficção e não ficção, buscamos compreender esta crise humanitária a partir de seus impactos nos processos midiáticos. Mais respectivamente, a intenção é entender como a cultura audiovisual e, mais especificamente, o televisual brasileiro representam os protagonistas de deslocamentos forçados, detalhando o contexto social e político de seus países de origem e sua adaptação e integração às nações que os acolhem. Para isso, nosso trajeto de pesquisa – vinculado a um estágio pós-doutoral realizado entre 2019 e 2020 – propõe um trabalho de campo centrado na análise de dois documentários sobre refugiados, exibidos nos programas Profissão Repórter e GloboNews Especial, com cerca de 1h40 de material audiovisual no total, e na realização de dez entrevistas semiabertas com imigrantes e refugiados de seis países hoje instalados no Brasil. Nossas reflexões sobre o fenômeno da representação de alteridade no audiovisual se iniciam com a discussão destes dois conceitos – desde a origem do ato de representar na Poética de Aristóteles até as reflexões de Durkheim (1996) e Moscovici (2003) sobre os fenômenos da representação social ou coletiva. Delas, destacamos as funções de rotinização e ancoragem propostas pelo segundo autor – cruciais para entendermos a redução de não familiaridade como o propósito central do representar em diferentes códigos e linguagens. Dos estudos culturais e pós-coloniais, evocamos a discussão sobre o duplo identidade-alteridade para, com Bhabha (1998), Woodward (2000) e Hall (2016), entender que os sistemas representacionais contemporâneos operam, sobretudo, em favor da interação entre discursos e narrativas identitárias e situam o outro como categoria inexorável no processo de experiência vicária da cultura audiovisual contemporânea – em um processo capaz de fragmentar e “descanonizar” (BHABHA, 1998, p. 313) construções consensuais da cultura e da vida coletiva. Da semiótica da cultura exploramos, ainda, a noção de fronteira, que, a partir de Iuri Lotman (1998), evidencia os ambientes midiatizados como espaços de potencial contato e tradução intersemiótica entre universos culturais. Acreditamos que é por meio das fronteiras erguidas pela linguagem que as narrativas audiovisuais de alteridade (LOBATO, 2017) se firmam como produtos destinados à experiência de contato com o outro, tornado legível e visível a partir de estratégias de representação. No trabalho de campo, as dez entrevistas nos levaram a identificar que o processo de construção de fronteiras entre o eu/nós e o outro é problemático na percepção dos refugiados, reforçando juízos de valor com designações negativas à alteridade e uma extrema redução de complexidade, que desconsidera a “alteridade do povo-como-um”, como nos diria Bhabha (1998, p. 213). Quanto à análise estrutural dos documentários e da telenovela, notamos, na segunda, tendência maior à estereotipia e, nas obras factuais, uma abordagem marcada pela retórica testemunhal-afetiva e pela ênfase em valores-notícia associados à crise humanitária, com menor ênfase em aspectos culturais e tratamento centrado nas pautas da integração profissional e da burocracia de registro dos refugiados e imigrantes. |
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Bibliografia | BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. |