ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A escrita inútil: excesso no roteiro cinematográfico |
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Autor | Érica Ramos Sarmet dos Santos |
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Resumo Expandido | Campo acadêmico incipiente, os estudos de roteiro organizam-se em poucos eixos temáticos, prevalecendo pesquisas sobre adaptação, o roteiro como peça literária, processos de criação, estudos narratológicos, semióticos e historiográficos. Como aponta Pablo Gonçalo, de modo geral as pesquisas enfatizam mais os aspectos narrativos e dramatúrgicos do que a maneira como o roteiro deseja as imagens e sons, isto é, seu elemento estrutural primário, a referência integradora a uma potencial obra cinematográfica (PASOLINI, 1986). Assim, uma deficiência do campo consistiria em pesquisas que vislumbrem códigos, formas de fabulação imagética e ambientação visual já contempladas desde o papel (GONÇALO, 2017, p. 135). Apesar dos esforços para separar conceitualmente as distintas formas do excesso, a palavra sobrevive através do tempo como um significante "flutuante”, labiríntico e incapturável, que “continua único e, na sua unidade paradoxal, assegura o vínculo ontológico entre todas as formas de excesso (DEMOULIÈ, 2007, p. 13). Neste trabalho, admito o excesso como uma forma de afeto que implica perda de controle, abundância de sensações e atravessamento de limites, especialmente corporais, e sua manifestação nas artes visuais e literárias como uma "poética do excesso". Circunscrevo o campo do excesso com o objetivo último de refletir sobre as formas e possibilidades de construção do sensório no roteiro cinematográfico, entendendo o excesso como uma sensibilidade e uma operação estética dentre outras possíveis. Assim, algumas perguntas se colocam para nós: de que forma a poética do excesso se manifesta no roteiro cinematográfico? Afinal, pode o roteiro afetar o leitor, causar um arrebatamento subjetivo, corpóreo e sensorial, se o mesmo configura, na prática, uma etapa “pré-filme”? Como a escrita fílmica pode antecipar a sensação? Como tocar o corpo com palavras que querem virar imagens? Se, como propõe Kristin Thompson (1977), o excesso é aquilo que escapa à narrativa, que é inútil, posto que desnecessário para a compreensão da trama, então um dos caminhos que se desenham pode ser o reconhecimento de elementos considerados inúteis segundo o modo de escrita mais amplamente difundido entre os profissionais, aquele advindo dos manuais. Subscritos à tradição ocularcêntrica da crítica e teoria cinematográfica, os manuais de roteiro salientam o imperativo de uma escrita “ativa”, destituída de figuras de linguagem, abstração e qualquer qualificação de substantivos e verbos: Pobre do roteirista, pois ele não pode ser um poeta. Não pode usar metáfora e símile, assonância e aliteração, ritmo e rima, sinédoque e metonímia, hipérbole e mesóclise, os grandes tropos (...) O primeiro passo é reconhecer exatamente o que descrevemos - a sensação de olhar a tela. (...) Elimine os verbos 'ser', 'estar', 'haver', 'existir' (...) Evitando, como Hemingway, termos abstratos, adjetivos e advérbios, favorecendo os verbos mais ativos e específicos e os substantivos mais concretos (...) Elimine toda metáfora e símile que não passe por esse teste: 'O que eu vejo (ou escuto) na tela?' (...) "Como se", por exemplo, é uma expressão que não existe na tela." (MCKEE, 2013, p. 368-369) Acredito que esse olhar para o roteiro e a função do roteirista favoreça o predomínio de uma escrita audiovisual descorporificada e sem desejo. Como Pasolini (1986), encaro o roteiro como uma estrutura em movimento, uma estrutura que deseja ser outra estrutura, que deseja forma, que deseja ganhar corpo, vivo e pulsante. Reconheço que uma análise do roteiro como técnica autônoma requer métodos que nem a crítica literária tradicional nem a tradição da análise fílmica dispõem, o que coloca para nós o desafio de imaginar novos códigos. Assim, a partir da análise de trechos do roteiro de Orlando (Sally Potter, 1992), buscaremos reconhecer as marcas do excesso nos níveis narrativo e poético, explorando taxonomias propostas por outros autores, notadamente Baltar (2019) e postulando novas. |
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Bibliografia | BALTAR, Mariana. Realidade lacrimosa: o melodramático no documentário brasileiro contemporâneo. Niterói: Eduff, 2019. |