ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | O Díptico no Cinema Contemporâneo |
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Autor | Pedro Henrique Villela de Souza Ferreira |
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Resumo Expandido | Desde meados dos anos 1990s, tornaram-se mais comuns obras cinematográficas de narrativas dípticas. No interior do filme, uma trama dá lugar a outra. Duas ou mais partes dele dobram-se umas sobre as outras produzindo um efeito particular de lemniscata, como nos dípticos da pintura eclesiástica da Idade Média onde duas imagens distintas eram antepostas uma à outra. Aqui, um universo diegético é interrompido para dar lugar a um outro, mas sempre dentro da mesma obra cinematográfica. Não se trata de uma modulação, mas de um rasgo inaugural, um reboot completo onde, dentro do filme, uma nova vida, diferente da anterior, pode ser acompanhada. O espectador assiste a uma segunda história, reconhecendo ser uma outra coisa, mas ainda retendo a memória da primeira, que o força a ler a segunda sob algum grau de correlação. A pesquisa tem como intenção caracterizar o cacoete e analisar algumas obras que o promovem, como Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004), Tabu (Miguel Gomes, 2012) e Certo Agora, Errado Antes (Hong Sang-Soo, 2015). A suposição mais ampla é que esta forma narrativa, representada no campo artístico, é uma reação tanto à ‘sutura' moderna (o espetáculo interrompido) quanto à pulverização pós-moderna e suas múltiplas formas de modulação narrativa (o puzzlefilm, o mise-en-abyme, etc) promovendo o esforço de estabelecer, no mesmo mundo do filme, a cosmovisão de que há um conjunto de mundos diegéticos possíveis e co-existentes temporalmente, e uma existência onde caibam todos eles, indistintamente. A origem do ‘eram duas vezes’ talvez seja um desdobramento do fenômeno de duplicação mecânica da imagem que caracteriza a própria técnica de reprodução da arte cinematográfica, o doppleganger (duplo) e o característico sentimento de 'unheimlich' que ele promoveu em seu surgimento no século XIX, agora liberto em absoluto da representação do modelo original, porém coexistindo com ele. Para caracterizar o fenômeno, a primeira parte da pesquisa procurará retraçar um histórico das formas narrativas dipticas no cinema, afim de observar uma espécie de evolução deste ‘reboot' até o presente, passando por seus diferentes momentos através de um percurso por vários filmes e décadas, desenhando uma genealogia que o conduz ao seu estágio atual. Mobilizando um amplo campo teórico e filosófico, que vai das associações de Stephan Andriopoulos e Friedrich Kittler entre o surgimento do cinematógrafo, a hipnose e o fenômeno da duplicação, passando pelas idéias de dialogismo e carnavalização, de Mikhail Bakhtin no campo literário, até as discussões sobre montagem, dialética e composição na arte que remetem ao trabalho de Eisenstein, a pesquisa estabelece a hipótese de que o díptico cinematográfico inaugura ou está em afinidade com uma percepção mais contemporânea de temporalidade, narrativa e estar-no-mundo, embora diferente daquela que é tradicionalmente associada ao pós-modernismo. A parte final da pesquisa se dedicará à análise mais pormenorizada do efeito em um conjunto de filmes contemporâneos que inclui as três obras supracitadas e outras. |
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Bibliografia | ANDRIOPOULOS, Stephan. Possuídos: Crimes hipnóticos, ficção corporativa e a invenção do cinema. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. |