ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Desafios da descrição na análise de LIMITE (1931), de Mário Peixoto. |
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Autor | Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior |
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Resumo Expandido | Se o descrever é o recurso próprio à analise interna da obra, assim como da análise externa seria o comentar, a descrição comentada pendeu demasiado para o último termo, eclipsando o 1º na sugestão de interpretações possíveis, ou tentativa de se formar juízos fundados. Um desafio que na análise encontramos seria o de lidar com o transcendente que ali se impõe, se cristaliza, se coagula, e nos coloca à deriva da própria obra ao analisá-la - sem que consigamos discutir a produção desta deriva pela experiência que temos da fita. Configura-se na dificuldade de descrever tal experiência um olhar coerente de contemplação poética, a um tempo realista e metafísica do mundo. Para usar as palavras do crítico Vinicius Dantas, na superfície da imagem cruzam-se várias intensidades, que não se escravizam a um referente: “O significado da imagem para Mário Peixoto é quase musical, precário na duração, sutil nesta instabilidade”. Como dar conta de sua análise crítica sem tocar em sua beleza?, sem se perguntar sobre o seu disperso sublime, efeitos de grande alcance, inopinados?, falar dos sentimentos estéticos que produz?, de sua expressão pela felicidade das formas a eles correspondentes, tão encantadoras quanto a força irradiante da sua precária unidade?, buscar descrever de sua atmosfera o singular? É filme de “cadência lenta, triste e fúnebre, às vezes majestosa” (diz Saulo Pereira de Mello) que se vê ordenado com “coração de chumbo”, em tom de “fatalidade”. Um caminho promissor e no caso ainda pouco trilhado seria a frequentação do universo literário de Peixoto. Por exemplo parece-nos um terreno fértil a filiação modernista do seu livro de poesia Mundéu (1931), do mesmo ano de LIMITE. Mário de Andrade escrevia sobre o livro que “se tem a impressão do jato violento, golfadas irreprimíveis. São poemas que nascem feitos, explosões duma unidade às vezes excelente, em que o movimento plástico das noções e das imagens é incomparável dentro da nossa poesia contemporânea”. O poeta paulista parece estar falando também do Peixoto cineasta, que desconhecia. Mesmo quando postula que sua poética se constrói em torno de um jogo entre “terra e mistério”. Deixa-nos alguma sugestão de que ingressamos num momento transitório do modernismo, entre uma 1ª onda e a 2ª, atraída pelo regional. Considere-se no entanto que para avaliar LIMITE a comunicabilidade entre meios de expressão diferentes talvez se ofusque diante do impacto plástico e rítmico tão especificamente fílmico que sofremos. Sua espantosa sintaxe formal, lânguida e esparramada, prefigurando magnificamente uma "tropical melancolia" tão buscada mais tarde, talvez não encontre paralelos no país senão na fluidez lamentosa e interminável da música de um Villa-Lobos, cujo Choro N°11, com mais de uma hora de execução, é ainda contemporâneo da fita. "Obra única" não só de Peixoto, mas do país, e do mundo, este verdadeiro "corpo estranho" no cinema brasileiro da época, pareceria com efeito manter maior parentesco, ou mais seguro, com o cinema europeu de vanguarda. Mas algo nos diz que estes parentescos são tão longínquos quanto o modo alla Antonioni com que se exprime a paralisia dos personagens através da captação que a câmera faz do espaço. Júlio Bressane abstrairá que esse filme “é um fotograma transparente, branco, onde a sombra é que organiza a imagem.” Desde o começo um mesmíssimo tom perpassa o filme duma calmaria funesta emoldurando a tudo; imerge-se inteiro no agourento clima de bonança-e-borrasca, pressagiadas ambas desde o começo até ao arremate da fita, já de início pelos galhos ressequidos, o negro esvoaçar dos urubus, ou no escorrido daquele letreiro “Limite” em lúgubre fleuma, transpiração expressionista da grafia art déco. Tristes bananeiras abandonadas ao convívio de árvores destocadas, terrenos semi-desbastados em poda incompleta, avistados de cancelas e caminhos trilhados por vidas passantes, elas também ceifadas no perder-se das distâncias que não se cumprem, não se podem mais cumprir. |
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Bibliografia | Andrade, O. de. “O divisor das águas modernistas”, Estética e política. (org. M. E. Boaventura) São Paulo: Globo, 2011. |