ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A mixtape como procedimento pedagógico na obra de Goran Olsson |
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Autor | Ines Bushatsky |
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Resumo Expandido | Uma mixtape pode ser compreendida como um procedimento formal através do qual materiais ou fragmentos de materiais são retirados dos seus contextos de produção originais e reorganizados em torno de novos polos de sentido, de modo a construir uma narrativa nova. Seguindo a pista do teórico norte-americano Jared Ball (2011), investigamos como, dessa prática, saltam possibilidades e procedimentos pedagógicos, na medida em que a justaposição de materiais distintos em novas configurações revela novas dimensões de sentido e possibilidades de construção de pensamentos afetivos, teóricos e críticos em torno daqueles materiais. A mixtape tem a capacidade de trazer para o primeiro plano justamente o aspecto de construção e artifício realizado pelo sujeito implicado na sua elaboração. O procedimento formal revela os andaimes da construção do pensamento do sujeito que organiza aqueles materiais, já que as relações entre estes existe apenas naquela configuração especifica. Em 2011, o diretor sueco Goran Olsson realizou o filme The Black Power Mixtape (1967-1975), um recorte temporal sobre ações do movimento negro norte-americano. O filme se utiliza de imagens de arquivo produzidas por equipes jornalísticas da Suécia, que documentaram o levante do movimento nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos. Como o título já indica, o filme se trata de uma mixtape cinematográfica que segue os modos de organização de uma mixtape musical, a partir de dispositivos de montagem e trilha sonora. Algumas das características que tornam este filme uma mixtape são também encontradas no filme seguinte do diretor, Concerning Violence, de 2014, que utiliza imagens de arquivo para recompor a história dos levantes anticoloniais em países africanos como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, em conjunção com inserções em lettering de textos do filósofo e psicanalista martiniquense Frantz Fanon. A utilização dos mesmos recursos de montagem com imagens de arquivo, letterings, procedimentos de distanciamento e interrupção do fluxo narrativo, entre outros, indica uma proposta estética similar, ainda que cada uma com as suas particularidades, em ambas as obras. Uma das características formais essenciais da mixtape são as técnicas de montagem. Olsson, mistura materiais audiovisuais, imagens de arquivo, textos teóricos, poéticos ou filosóficos e comentários diversos em estruturas de montagem muitas vezes inusitadas. Isto é, por mais que esses materiais se comuniquem entre si a partir de um mesmo tema, não necessariamente estas imagens, sons e textos estariam juntos, não fosse pela montagem do realizador. Ao separar a parte do todo, tira-se o material de seu contexto original para montá-lo de outra forma. É uma forma de desorganizar sistemas de organização para a criação de um novo sistema de sentidos para aqueles fragmentos. Sobre a possibilidade de que a montagem do documentário amplie os sentidos narrativos possíveis sobre os seus materiais, Nichols anota: Alcançar uma forma mais elevada de consciência envolve uma mudança nos graus de percepção. O documentário reflexivo tenta reajustar as suposições e expectativas de seu público e não acrescentar conhecimento novo a categorias existentes. Por essa razão, os documentários podem ser reflexivos tanto da perspectiva formal quanto política. (NICHOLS, 2005,p.166) Na obra de Olsson, a montagem das imagens, tirando-as de seu contexto original, não tem o propósito apenas de contar uma narrativa ou de ensinar sobre um tema, acontecimento ou período histórico de forma a apresentar uma narrativa pronta. O que existe nessa montagem da mixtape é um recurso que conecta objetos aparentemente sem conexão inerente, e proporciona, assim, novas possibilidades de construção narrativa para aqueles materiais. Além das reflexões que a forma mixtape proporciona, pensada em relação com a obra de Olsson, em razão da sua estrutura formal aberta, podemos ainda compreender a mixtape e reproduzir suas estratégias em outros contextos de criação. |
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Bibliografia | BALL, Jared. I Mix What I Like! A Mixtape Manifesto. Oakland, AK Press. 2011.
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