ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | TATUAGEM, OUTRAS IMAGENS E FANTASMAS |
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Autor | Samuel Macêdo do Nascimento |
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Resumo Expandido | Desde o início do período colonial, pré-Américas, o futuro das imagens dos homens já entrava em disputa. Com a invenção da fotografia e do cinema essas imagens se tornam ainda mais democráticas. As imagens técnicas também documentaram os processos de controle e civilidade ocidentais. O cinema, especialmente, já existia como imaginação, ideia e pensamento antes mesmo da sua invenção no final do século XIX. O filme em si é uma tela espectral que materializa as histórias que surgiram antes mesmo do seu nascimento, e por isso compreendemos que as imagens se tornam artifícios para nos deslocarmos entre períodos autoritários do passado, do presente e do futuro (DERRIDA, 2001). Existem masculinidades desviadas na cinematografia brasileira há algum tempo. O filme Macunaíma (1969, Joaquim Pedro de Andrade) é um exemplo, pelo menos como marco pós - Segunda Guerra Mundial. Mário de Andrade escreveu o livro Macunaíma como provocação sobre o lugar instável da identidade brasileira, mas indiretamente fala da sua própria condição dentro do Modernismo, de um homem que também não cumpria as normas de gênero no seu tempo. Clécio Wanderley é um homem gay, artista, pai de um filho, líder de um grupo de teatro dissidente e dribla as armadinhas da censura através da arte em Tatuagem. A liberdade do corpo de Clécio e dos demais integrantes do Chão de Estrelas levanta questionamentos sobre o autoritarismo e os problemas da democracia naquele período. Nesse entremeio Clécio ama e deseja Arlindo, também conhecido Fininha. Tatuagem é um filme que se adequa a linguagem cinematográfica mais clássica, mas ao mesmo tempo retrata temáticas subversivas com imagens que confrontam o sistema sexo-gênero, que tanto é uma construção sociocultural quanto um aparato semiótico (LAURETIS, 1987). Tatuagem é exibido no início da segunda década do século XXI. A partir desse lugar temporal, o filme abre as brechas do passado para interpelar a violência e a opressão que marcaram o regime ditatorial no Brasil. Ao performatizar o desejo de liberdade, os espetáculos do Chão de Estrelas reinserem a questão da necessidade de dar voz e corpo às vitimas silenciadas. O grupo Chão de Estrelas faz ativismo no palco, na rua, na periferia não higienizada e principalmente no território simbólico da democracia. Os desvios de gênero e de sexo do filme confrontam os mitos fundantes da nossa cultura e linguagem. A figura do coronel, como patriarca e homem de poder, ainda é muito sólida e ao trazer performances que se conectam com as divas, com as cantoras da música popular brasileira e com o próprio cinema, o Chão de Estrelas vai subvertendo os significados e os sentidos da masculinidade cristalizada do homem nordestino, considerado o cabra-macho descendente de coronéis e cangaceiros. “Nas páginas do cordel, o cangaceiro tornou-se ao lado do coronel, seu inimigo e contraponto, modelos de ser homem no Nordeste” (ALBUQUERQUE, 2013, p.202). As imagens contemporâneas, criadas nos países que sofreram com a experiência colonial, carregam os mitos em torno da heterossexualidade, das questões raciais e de classe (McCLINTOCK, 2010). Portanto, Tatuagem guarda as influências dos povos que foram escravizados e exterminados no território nordestino. O projeto colonial foi fundamental para a consolidação das imagens do homem do poder, mas sempre houveram dissidências antes, durante e depois das invasões européias (HIJA de Perra, 2015). Os corpos do filme criam fissuras no domínio da linguagem e se desviam das identificações edipianas do pensamento falogocêntrico (BUTLER, 2019). O cu, como provoca o espetáculo da Polka do Cu, unifica todas as pessoas. Clécio Wanderley reitera que “a única coisa que nos salva, a única coisa que nos une, a única utopia possível: é a utopia do cu”. A Europa deixa de ser o centro gravitacional do mundo e os corpos criam saberes a partir de outros lugares. O cinema contemporâneo, como corpo-imagem, potencializa essa guinada (MBEMBE, 2019). |
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Bibliografia | ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordestino: invenção do “falo” - uma história do gênero masculino (nordeste - 1920/1940). – 2.ed – São Paulo: Intermeios, 2013. |