ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | “Je vous salue, Sarajevo” (Godard, 1993) e a fotografia de Bijeljina |
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Autor | Nikola Matevski |
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Resumo Expandido | Em pouco mais de dois minutos, o filme "Je vous salue, Sarajevo" (1993) realiza uma intervenção pungente ao colocar em paralelo a arte, entendida como dissenso e resistência, e a vida, que, com essas mesmas qualidades, persiste apesar das temíveis ameaças da guerra. Equivaler a arte e a vida, gesto antigo e inspirador das vanguardas, encontra aqui uma variante realizada na transferência da imagem de um âmbito codificado, legível, repetido, comercial e aculturado, ligado à mídia, para uma assimilação fragmentada, opaca, difícil e metaforizada no entendimento da “arte de viver” como fragilidade e permanência. O subsídio para a reflexão é uma fotografia tomada por Ron Haviv em 1º de abril de 1992 em Bijeljina, Bósnia. Em "Je vous salue, Sarajevo" essa imagem é decomposta e apresentada por uma sucessão de ampliações, fragmentos de uma cena que será inteiramente mostrada apenas por alguns segundos, logo antes da conclusão do filme. A montagem relaciona rostos, botas, cigarro, rifle e outras figuras que, aliados à textura do impresso tornada claramente visível, retiram a fotografia da totalidade que a deixava legível, transparente e banal na página da revista. Esses elementos, tomados como signos, promovem relações com aqueles referidos na leitura de Jean-Luc Godard em tom grave: “computador”, “t-shirt”, “turismo”, “guerra”, “Gershwin”, “Mozart”, “Antonioni”, “Vigo”. A máxima tipicamente godardiana que organiza esses termos será, contudo, o trecho mais frequentemente lembrado – a cultura é regra, a arte é exceção. A comunicação pretende analisar a fotografia, tomada isoladamente, e a sua apropriação posterior em "Je vous salue, Sarajevo". O objetivo é analisar e pensar historicamente em cada um dos comparantes situando como referência os eventos da Guerra da Bósnia. Se, como constatavam Godard e Jean-Pierre Gorin em "Letter to Jane" (1972), uma foto de jornal “é fisicamente muda” e fala “pela boca do texto que está escrito embaixo”, o caso da fotografia de Haviv é prolixo pela quantidade de narrativas que lhe foram atribuídas em diferentes contextos, dentro e fora da imprensa. Às vezes se pediu demais à imagem, querendo fazer dela a parábola total da guerra, e, em outros casos, ela foi tragada pela conotação simulacral da circulação que a relativiza, anulando qualquer dimensão mostrativa e obliterando seu lado fenomênico, específico e constitutivo (e, o que é pior, expulsando-a do campo histórico). O propósito secundário da comunicação é estabelecer esses elos e propor outra “legenda” mais especificamente ligada ao massacre de Bijeljina. Esse retorno será sublinhado por uma atitude elementar: olhar para a fotografa. A intenção, evidentemente, não é recair no fetichismo ou esvair a observação nos limites das descrições formalistas, mas refazer as perguntas e querer saber o que as imagens mostram. Isso poderia desfazer alguns equívocos relacionados não só a essa fotografia, mas também ao filme assinado por Godard. É onde se encontra nossa divergência daqueles que tendem a extrair do filme, com força de ditado e de modo apressado e estetizante, a já famosa síntese: a cultura é regra, a arte é exceção. |
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Bibliografia | Althen, Michael. “The lives of the images”, in J. L. Godard e A.M. Miéville, Four Short Films. Munique: ECM Cinema, 2006. |