ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Passagem para o transe |
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Autor | Eliane Robert Moraes |
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Resumo Expandido | Afinal, os sujeitos com quem ela partilha as aventuras não passam de objetos de um desejo insaciável que se traduz no vertiginoso intercâmbio de parceiros de sua vida erótica. De fato, em “A dama do lotação”, tudo gira em torno de Solange. Melhor dizendo, tudo gira em torno do sexo, como se confirma desde a primeira frase do conto, não obstante o recato que era exigido naquele tipo de publicação. O texto faz parte de um conjunto que, destinado ao grande público, foi escrito entre 1951 e 1961 para o jornal Última hora, dirigido por Samuel Wainer. A ideia partiu do próprio editor, que solicitou a Nelson Rodrigues a assinatura de uma coluna diária baseada em supostos “fatos da realidade”, cujo título seria Atire a primeira pedra. O convite foi aceito de imediato, com apenas uma reserva: o autor – a quem Hélio Pellegrino chamava de “Homero do subúrbio” – pediu que o nome fosse trocado para A Vida Como Ela É…, cujo tom fatalista lhe era mais caro. Mais assemelhadas a contos do que a crônicas, essas histórias curtas e cruas combinavam a economia dos meios com a brutalidade dos temas que, no mais das vezes, giravam em torno adultério. Do adultério feminino, diga-se logo, já que a infidelidade masculina naqueles anos era não só permitida, mas efetivamente incentivada, sendo no mais das vezes justificada pelo “temperamento poligâmico” que caracterizava a “natureza” dos homens. Era o tabu, portanto, que parecia estar na mira do criador de “A Dama do lotação”, e as consequências precipitadas pela transgressão feminina, que conheciam mais variações na sua ficção do que na impiedosa realidade a qual as mulheres estavam então condenadas. O forte apelo popular da coluna, evidente já nos títulos cogitados, se confirmava por sua difusão em um jornal de grande circulação, reforçando uma velha aliança entre o mercado e a popularização de conteúdos moralmente transgressivos. Não surpreende que ela tenha obtido sucesso imediato, como que antecipando a extraordinária repercussão que o conto viria a ter mais tarde quando foi adaptado ao cinema. Para surpresa do próprio autor, de tal forma as narrativas incendiaram o Rio de Janeiro que, naqueles anos, era comum ver homens aboletados nos ônibus e trens, uns sobre ombros dos outros, devorando aquelas histórias. Se pertinente, tal hipótese viria a explicar a razão mais candente por que, numa narrativa em que tudo gira em torno da libido, não há sequer uma descrição de cena erótica, nem mesmo em tonalidades alusivas. Tudo leva a crer que, para além das restrições morais impostas à imprensa, a recusa do autor em representar as relações sexuais, recorrente em sua produção, é precipitada ainda por outras motivações, talvez de cunho mais íntimo, que insistiam em uma visão sombria da sexualidade. A esse respeito, Décio de Almeida Prado observou que, na obra rodriguiana, o sexo “atrai pelo que tem de escuso, menos por ser fruto do que por ser proibido, causando volúpias ignominiosas na consciência. O prazer, para ele, nunca é carnal, é sempre psicológico, envolto em culpa – aquilo que D. H. Lawrence denunciava como sex in head.” Daí se conclui que, em meados do século XX, os leitores de A Vida Como Ela É… ficavam mesmo a ver navios quando a provocante dama, já devidamente acompanhada, deixava o lotação para entregar-se de corpo e alma às suas fantasias. Seria preciso esperar ainda um quarto de século para que Neville de Almeida devolvesse a insaciável heroína aos domínios carnais de Eros. Mas não sem a participação de Nelson Rodrigues, é forçoso completar, pois ele foi convidado a colaborar no roteiro, tendo criado episódios bem mais erotizados a partir da situação de base do conto. O expediente iria radicalizar o protagonismo de Solange, o que implicava então uma aposta igualmente radical nas cenas de sexo, levando ao limite a capacidade da personagem de dominar a cena. |
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Bibliografia | Décio de Almeida Prado, “Nelson Rodrigues” In Nelson Rodrigues, Teatro Completo, op. cit., p. 273. |