ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Mítico, Maravilhoso, Fantástico? Fraturas em um Documentário Amazônico |
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Autor | Uriel Nascimento Santos Pinho |
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Resumo Expandido | Realizada desde 1793, a procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém é uma das manifestações culturais mais registradas do Pará desde o início do cinema neste estado. Como fenômeno midiático, o catolicismo popular do Círio de Nazaré geralmente é aludido como emblema do “encontro”, ora paciente ora fraturado, de matrizes autoritárias eurocêntricas (como a imposição do cristianismo) com espiritualidades locais e outras formas avessas à autoridade (eclesiástica, estatal…) de ser neste território amazônico. No caso da produção documental paraense de décadas mais recentes, os filmes sobre o Círio de Nazaré são esteticamente variados, apesar de geralmente orbitarem o que Mattos (2018) chama de documentário de rede de pessoas. O objetivo deste trabalho é problematizar uma produção estética amazônica que, ao abordar o catolicismo popular em sua alusão às cosmologias de povos e comunidades tradicionais da região, com frequência recorre a referenciais míticos e fantásticos (PIZARRO, 2012). Assim, esta análise, desdobramento da dissertação de mestrado deste autor no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, tem o objetivo de discutir os territórios estético-narrativos em que os gestos de verossimilhança do documentário Mãos de Outubro (Dir. Vitor Souza, 2009) se encontram com os campos relacionados ao mítico, ao maravilhoso e ao fantástico das cosmovisões amazônicas, considerando que, ainda que frequentemente associado a discursos do real, do utilitário (NICHOLS, 2012) e do verossimilhante, não é unicamente em referência a esses domínios que o documentário na Amazônia se desenrola. Para este questionamento, recorremos à análise fílmica, bem como procedemos um breve levantamento contextual sobre a produção cinematográfica contemporânea do estado do Pará que aborda o catolicismo popular, mais especificamente a procissão do Círio de Nazaré, tema do curta-metragem Mãos de Outubro. Nos aproximamos ainda dos conceitos de mítico (LOUREIRO, 2015), fantástico e maravilhoso (RODRIGUES, 1988; ROAS, 2014); na tentativa de desenhar uma área de interesse documental que se distancia do verossímil, enquanto tema e estratégia, para materializar o onírico, o espiritual e o inexplicável como terreno - e talvez dispositivo. Mãos de Outubro (2009) é um dos mais notórios filmes paraenses sobre o Círio de Nazaré, do ponto de vista da crítica e da circulação em festivais. Nesta análise, nossas inquietações junto ao filme partem da leitura de que o curta-metragem materializa gestos documentais, como a entrevista, o registro de personagens reais, e a câmera na mão participativa, que lhe conferem verossimilhança informativa; mas também recorre a linguagens “desnaturalizantes” e ênfases poéticas, como a fotografia em preto e branco e o uso quase que exclusivo de planos detalhe. E ainda - o que nos chama mais atenção - recorre ao que parece ser a mimese audiovisual de estados de consciência alterados. Essa mimese aparece no uso de efeitos de miragem nas imagens e de tinido e ocultamento das fontes sonoras no caso dos sons, tanto das vozes quanto dos efeitos aquáticos que compõem seu desenho de som onírico. Apesar de partir do campo do maravilhoso com o tema religioso, Mãos de Outubro se desenrola de modo a estabelecer de modo performático o que suspeitamos ser um convite à dúvida sobre esta fé e sobre seus próprios gestos documentais enquanto critérios de verossimilhança. E escolhemos aceitar também como um convite, neste tecido fílmico particular, a percepção das fraturas que a história colonial legou a esta manifestação do catolicismo popular amazônico. |
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Bibliografia | LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica – uma poética do imaginário. 5ª Edição. Manaus: Editora Valer, 2015 |