ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Helena Ignez e o gesto arqueológico |
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Autor | Daniela Pereira Strack |
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Resumo Expandido | A trajetória de Helena Ignez confunde-se com a própria história do cinema brasileiro. Protagonista de filmes do Cinema Novo e do Cinema Marginal nos anos 1950 e 1970, suas personagens orbitam o que Ismail Xavier (2001, p. 38) denomina “constelação moderna do cinema brasileiro” dando corpo e rosto às revoluções estéticas, políticas e culturais do período. Personagens como Ângela-Carne-e-Osso, de A Mulher de Todos (1969), e Sônia Silk, Copacabana Mon Amour (1970), eram sinônimo de mulheres transgressoras e libertárias, bem como caracterizadas por uma interpretação antinaturalista, na qual o corpo era sempre um grande acontecimento. Segundo o pesquisador Pedro Maciel Guimarães (2014, p. 303), Helena Ignez “teve um sistema de interpretação único, entre a letargia e a frenesi, a imobilidade total e o excesso de movimentos, o escracho e a provocação.”. Esta análise de Guimarães está relacionada com um período específico da carreira de Ignez: sua colaboração artística com Rogério Sganzerla e Júlio Bressane na Belair Filmes. Fundada em 1970, a Belair produziu cinco longas-metragens durante sua rápida existência nos primeiros meses daquele ano. O caráter subversivo de suas produções em meio à conjuntura política de endurecimento das medidas de repressão da ditadura militar brasileira, com a instauração do Ato Institucional nº5 (AI-5), resultou na dissolução total da produtora. Com alguns dos filmes ainda não finalizados e ameaçados pela censura, os três optaram pelo exílio fora do país. Desta forma, os filmes da Belair nunca chegaram ao público na época e mesmo hoje são pouco difundidos entre o público brasileiro. A partir dos anos 2000, quando Helena Ignez passou a conciliar a carreira de atriz com a de diretora, o gesto pela sobrevivência dessas imagens da Belair tornou-se constante. Como num gesto contínuo iniciado em A Miss e o Dinossauro (2005), suas obras parecem permeadas por um dever de memória, por um impulso benjaminiano de apropriar-se de sua experiência histórica para afirmar seu local no presente. Segundo Walter Benjamin (2005, p. 65), “[...] articular o passado historicamente não significa conhecê-lo ‘tal como ele propriamente foi’. Significa apoderar-se de uma lembrança, como ela relampeja num instante de um perigo.”. Escavar, retornar às imagens clandestinas, apropriar-se delas no presente para tecer narrativas contemporâneas. Em um gesto empático àqueles que estão à margem da história oficial (da ditadura e do próprio cinema brasileiro, diga-se) dar-lhes nome e rosto. É a partir dessa tessitura que Helena Ignez parece construir seus filmes. Este gesto arqueológico da cineasta é o que conduz nossas escolhas metodológicas. A própria obra de Helena Ignez nos convida a realizar um cortejo entre distintos momentos de sua carreira, entendendo que as imbricações entre os filmes protagonizados por ela e seu trabalho como realizadora cinematográfica são parte essencial para pensarmos a construção autoral em seu cinema. Desta forma, este trabalho vislumbra Helena Ignez enquanto uma cineasta arqueóloga e deseja analisar este gesto a partir dos filmes Ralé (2016) e Moça do Calendário (2018). |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. Trad. Jeanne Marie Gagnebin e Marcos L. Müller. In: Löwy, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Trad. Wanda N. C. Brant. São Paulo: Boitempo, 2005. |