ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | O ANJO EXTERMINADOR NO MUNDO DE 2020: DE UM FILME A OUTRO |
|
Autor | Carlos Ruiz Carmona |
|
Resumo Expandido | De todos os filmes de ficção científica distópicos e apocalípticos que já foram feitos, há um que se destaca pela sombria previsão contida em seu próprio título – ao menos na versão brasileira. Trata-se de Soylent Green (1973), uma produção norte-americana que ficou conhecida entre nós como No Mundo de 2020. Esta agourenta previsão não precisa ser considerada apenas como obra fortuita do mero acaso, pois este filme é um “who done it” típico do gênero policial que se situa em um futuro, não muito distante, em que as contradições provocadas pela desigualdade social e econômica geradas pelo capitalismo atingem um grau máximo de intensidade, provocando simultaneamente a miséria generalizada da população e a destruição ambiental do planeta. À sinistra presciência deste filme falta apenas o elemento histórico concreto da pandemia viral, pois suas consequências mais funestas também estão presentes no abominável desfecho da história, em que se fazem presentes elementos (ainda) nazistas de extermínio e destruição em massa e métodos (já) neoliberais de gestão “humanizada” do suicídio coletivo. Pode o cinema de ficção prever a história da humanidade, ao menos em suas linhas mais gerais? Assim como “a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco” (Marx), podemos afirmar que certas tendências históricas mais ou menos marcantes encontram-se presentes em certos filmes, de forma embrionária, parcial ou mesmo metafórica, antes mesmo de emergirem na cena histórica de forma autônoma e consciente. De forma inversa, certos fatos históricos conferem, retroativamente, o sentido potencial de certos filmes de ficção capazes de se conectar, subterraneamente, às tendências históricas subjacentes a fatos e eventos ainda não ocorridos. É assim que, em pleno mundo de 2020, já pressentido pelo sci-fi Soylent Green, a emergência da pandemia provocada pela COVID-19 mostra-se capaz de nos revelar o conteúdo histórico concreto de outro filme clássico em seu gênero – O Anjo Exterminador (1963), de Luis Buñuel. Nesta obra, Buñuel trabalha o huis-clos como tendência (então) oculta da burguesia enquanto classe social dominante. À época de lançamento do filme, tal tendência mal aparecia nos discursos e ações patrocinadas por esta mesma classe - ainda às voltas, em 1963, com o último ciclo de prosperidade e crescimento econômico proporcionado pelo capitalismo fordista dos anos do pós-guerra. Com o passar das décadas, porém, o caráter classista do auto-isolamento imposto pela burguesia a si mesma - isolamento este que assume o caráter quase sacro de um interdito religioso no filme de Buñuel – torna-se cada vez mais evidente, desvendando o verdadeiro sentido histórico deste filme e permitindo que as suas tradicionais leituras exegéticas – a simbólica e a alegórica – sejam definitivamente superadas por uma leitura metabólica do filme que leve em conta as relações entre a história e a história do cinema. Na leitura simbólica, inevitavelmente baseada em um simbolismo sexual legitimado pelas estreitas relações entre o surrealismo e a psicanálise freudiana, O Anjo Exterminador ilustra a contradição civilizacional inerente à necessária renúncia pulsional presente em qualquer processo de socialização. Nesta leitura, a classe social dos personagens do filme só importa na medida em que ressaltaria a universalidade abstrata contida na ideia de uma condição humana absurda e irremediável. A mesma limitação se encontra na leitura alegórica do filme, estabelecida a partir de paralelos, inseridos no seu enredo, com alguns elementos messiânicos da tradição teológica católica, evocados de forma blasfema. Apenas a leitura classista desvela o caráter metabólico desta crítica cinematográfica à civilização: o anjo exterminador como emblema do medo burguês ao contágio com o povo, medo este que provoca uma série de fobias irracionais e acirra as contradições civilizacionais ao ponto da ruptura iminente. 58 anos após o filme, a pandemia demonstra historicamente essa leitura. |
|
Bibliografia | Cesarman, Fernando (1976). El Ojo de Buñuel, Psicoanálisis desde una |