ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Conexão cinema-internet: Intersecções online/offline em Tinta bruta |
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Autor | Regiane Akemi Ishii |
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Resumo Expandido | Partindo da investigação de como o cinema contemporâneo tem sido instigado pelos processos de produção e circulação próprios da internet e do fluxo audiovisual em um regime 24/7, propomos uma análise de Tinta Bruta (2018), de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon. O filme tem como protagonista Pedro, um jovem que dança coberto de tinta neon enquanto estranhos o assistem pela webcam. Do lado de fora do quarto, está Porto Alegre com seu conservadorismo opressor. Nossa hipótese é de que a condição identificada por Hito Steyerl, em que a produção e a circulação da imagem estariam hoje entrelaçadas a ponto de se tornarem indistinguíveis, gera uma “retroalimentação” das mídias, levantando questões centrais à criação cinematográfica. Sem se restringir a tomar a internet como tema ou assunto, Tinta bruta realiza experimentações narrativas e estéticas a partir de vínculos com a navegação online. No título, a relação entre cinema e internet, trabalhada em destaque pela direção de fotografia e montagem, é fundamental para a construção do protagonista. Nas sequências dos shows na plataforma Cam4, Pedro age como diretor de seu próprio show. Há um encontro entre o que seriam as decisões do protagonista (ritmos corporais, cores das tintas, iluminação do quarto, enquadramentos das partes de seu corpo na tela do computador…) e as escolhas estéticas e formais do filme. A narrativa avança na intersecção online e offline sem uma dicotomia do tipo “vida real” versus “vida virtual”. Gradativamente, Pedro desenvolve novas narrativas para si por meio das orquestrações de olhar tanto com a webcam das plataformas de streaming quanto com a câmera de cinema. Em ambas as instâncias, a webcam e a câmera de cinema, são trabalhados tanto seu poder de agência sobre o modo com que se coloca diante do computador e da cidade quanto sua vulnerabilidade na condição de observado. Também queremos investigar como a entrada da internet no cinema contemporâneo pode trazer novas questões ao modo como entendemos os modelos de janela e moldura na teoria do cinema. Quando o cinema filma a tela do computador em Tinta bruta, o acesso a um espaço tridimensional imaginário se complexifica. Não há abertura para um “além da tela”. A tela do cinema nos leva à outra tela, a do computador. Encontramos uma sobreposição de duas superfícies bidimensionais que, como gostaríamos de propor, implica também em uma justaposição de percepções. A tela também poderia estar sendo vista por um dos usuários anônimos do site Cam4. O “outro” indefinido faz parte da diegese. Mais do que isso, tal indefinição é fundamental para a orquestração de olhares em jogo. Essa tela não está no quarto de Pedro, nem no nosso quarto, mas o modo como é filmada e exibida nos solicita simultaneamente a partir de duas instâncias conhecidas: a espectatorialidade do cinema e a navegação online. Compreendemos ambos os modos e podemos variar entre eles, dentro da mesma cena, já que sabemos acompanhar tanto a trajetória de um personagem cinematográfico, quanto de um perfil de rede social ou de um performer online se exibindo na rede. Estamos diante da janela (entregues a um universo espaçotemporalmente distinto e autônomo) e da moldura (conscientes do enquadramento do monitor), entrelaçadas. Ao longo de todo o filme, podemos acompanhar diferentes regimes de produção audiovisual e modos de construção de narrativas de si, mobilizadas por uma mise-en-scène potencializada no encontro entre cinema e internet. As metáforas de janela e moldura, tão importantes para a teoria do cinema, são complexificadas nessa retroalimentação que ocorre quando a imagem que o personagem assiste de si, dentro da cena do filme, é um vídeo produzido com a finalidade de circular na internet em tempo real. Tal autorreflexividade opera contando com a nossa oscilação imaginativa entre espectador de cinema e usuário da internet, uma posição que rompe binarismos. |
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Bibliografia | ALBUQUERQUE, Paula. The webcam as an emerging cinematic media. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2018. |