ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O estranho vale de Edgard Navarro e Artur Barrio |
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Autor | Frederico Franco |
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Resumo Expandido | Diversas correntes da arte contemporânea apresentam como proposta estética a saída do canva da pintura e o encontro com materiais diversos e cotidianos, como, por exemplo, os minimalistas e Richard Serra. No entanto, outras vertentes encontram no corpo uma morfologia perfeita para expressão artística; tanto nas perfomances de Marina Abramovic quanto nos happenings de Bas Jan Ader, o corpo é, na verdade, o próprio conteúdo da obra. No Brasil, há um movimento similar, quando Oiticica propõe os Parangolés e seus penetráveis, incluindo na obra o corpo do próprio espectador. Desde Frederico Morais e as proposições do "corpo como motor da obra" à Sganzerla e os cineastas do corpo, há uma excessiva, porém fortuita, ênfase em como trabalhar o corpo dentro das artes visuais e no próprio cinema. É importante citar, como parte da pesquisa, o contexto histórico vivido pelos artistas e como essa forma de arte agressiva se adequa a um padrão vanguardista de reação ao domínio da arte pelas elites. A questão a seguir, no entanto, está posicionada na relação que temos quando vemos o corpo humano representado através do outro. Como reagir a algo que é, em termos de forma, igual a nós, mas, por outro lado, sabemos que não pertence ao mundo real? Os trabalhos de ambos Barrio e Navarro parecem, de forma complementar, tensionar essa relação ao estabelecer um diálogo com o corpo humano por meio do sentimento de repulsa. É nesse momento em que entra em cena o conceito do Vale da Estranheza, de Masahiro Mori, professor de robótica, que propõe que, quando nos deparamos com algo muito similar à forma humana, mas sabemos que não pertence à categoria humanoide, acaba-se criando um momento de estranheza perante o objeto contemplado. O caso de Barrio será analisado a partir de três obras específicas: "Livro carne", "Trouxa de sangue" e "21 Petites Sculptures en Cheveux". A primeira obra, um pedaço de carne cortado em forma de livro, tendo, inclusive a possibilidade de folhea-lo; a segunda, uma trouxa preenchida com sangue e outros materiais; por fim, sua última obra analisada, contém mechas de cabelo amarradas. Trabalhando com materiais viscerais e cabelo humano, transforma elementos triviais da existência biológica do ser humano em objetos repulsivos. A arte de Artur Barrio é quase como um exercício de olhar para dentro - literalmente - do corpo humano. De certa forma, o artista parece absorver a herança subdesenvolvida de seu país: construído em cima de sangue e genocídio em curso com a ditadura militar. "O Rei do Cagaço" pode ser considerado o filme mor da filmografia de Edgard Navarro. Sua filmografia é repleta de escatologia e atentados ao pudor e em sua obra-prima não poderia ser diferente: a primeira cena, durante bons minutos, vê-se o anus de um homem defecando. Detalhe importante: em close-up. O enquadramento é tomado por essa visão escatológica. Essa primeira cena, principal objeto de análise do filme, parece ser uma forma subdesenvolvida de ato Duchampiano: tudo pode ser arte, basta colocar o objeto dentro do sistema artístico. Ou melhor, como diz Júlio Bressane em Viola Chinesa: "o que importa é exprimir; o que exprimir não importa". Cabe, então, questionar, os porquês de um ato trivial da biologia humana é visto, por meio do cinema, como algo repulsivo, estranho e, de certa forma, nojento. Por fim, o principal objetivo do trabalho proposto é compreender como essas duas formas de arte, por meio de uma tradução intersemiótica, dialogam entre si. Como Barrio e Navarro, através da estranheza, conseguem estabelecer conexões estético-políticas? |
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Bibliografia | GULLAR, Ferreira. Vanguarda e subdesenvolvimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. |