ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Oswald de Andrade no cinema brasileiro da Abertura: história e memória |
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Autor | Luiz Ancona |
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Resumo Expandido | Em 2022 o debate cultural brasileiro tem sido fortemente marcado pelo centenário da Semana de Arte Moderna. Eventos, cursos, mostras, exposições e publicações têm proposto releituras sobre o modernismo brasileiro. As avaliações variam em grau de adesão ou recusa a uma narrativa supostamente hegemônica que concederia demasiada importância à mitológica Semana e a artistas paulistas. Tais debates não são novidade. Ao menos desde 42, a cada década as efemérides reatualizam as discussões. Esta comunicação abordará um momento chave dessa constelação de debates: o início da década de 80, mais precisamente o ano de 82, quando o Brasil vivia o final da ditadura e a Semana fazia 60 anos. O contexto será interrogado a partir da análise comparativa de três filmes concluídos entre 81-82: O homem do pau-brasil (Joaquim Pedro de Andrade, 81), Tabu (Júlio Bressane, 82) e O rei da vela (José Celso Martinez Corrêa e Noilton Nunes, 82). Além da proximidade temporal, os filmes adaptam, cada qual a sua maneira, vida e obra do escritor Oswald de Andrade. Cada filme empreendeu uma releitura distinta do legado oswaldiano, em particular, e do modernismo em geral. Com isso, revisitaram eventos, personagens e obras da primeira metade do Século XX e se posicionaram num conjunto de debates que se desenrolavam desde a década de 60 e eram redimensionados no Brasil da Abertura. O momento era de balanços e revisões, produção e embate de memórias sobre a ditadura, inclusive sobre as lutas culturais travadas em seu interior. E isso passava pela rediscussão do legado modernista, especialmente de Oswald, dado o destaque que sua obra assumiu a partir de meados de 60. Um marco nessa guinada foi a encenação de O rei da vela pelo Oficina em 67. O filme concluído em 82 parte de filmagens realizadas em 71 durante os ensaios para uma montagem carioca. Peça e filme foram interrompidos pela ditadura e o diretor Zé Celso exilou-se com os negativos. De volta ao Brasil em 78, o material foi editado, somado a novos registros, imagens de família de Zé Celso e diversas referências iconográficas e musicais numa colagem frenética e nada linear. Assim como na montagem de 67, o filme empregou a dramaturgia oswaldiana para uma leitura trágica e fatalista, embora festiva, do Brasil e um ataque à esquerda nacionalista e comunista. O filme construiu ainda uma memória celebratória de Oswald e do Oficina, cujo retorno era anunciado como prolongação do legado oswaldiano no novo período que se esboçava no horizonte. Em Tabu Oswald é personagem ao lado do compositor de marchinhas de carnaval Lamartine Babo. A escolha de atores é sugestiva: Oswald é interpretado por Colé, nome clássico das chanchadas, e Babo por Caetano Veloso, astro tropicalista comumente associado à antropofagia oswaldiana. Nesse jogo de aproximações entre atores e personagens, permeado por diversas referências numa colagem altamente experimental, o filme propõe uma espécie de memória alternativa do legado oswaldiano, que é deslocado de narrativas excessivamente paulistas e vinculado a elementos da cultura popular e de massas carioca. Assim, compõe-se uma história-mosaico da cultura brasileira, da qual o filme se apresenta como herdeiro e veículo. O homem do pau-brasil também tem Oswald como personagem, interpretado por dois atores, um homem (Flávio Galvão) e uma mulher (Ítala Nandi). Em clima pornochanchadesco, o filme traz uma biografia bastante peculiar, que recusa qualquer noção de fidelidade histórica e mescla radicalmente vida e obra do escritor. O longa não só incorpora como endossa a palavra oswaldiana e diferentes releituras de seu legado. Mas o faz a fim de expor os limites e contradições da atuação do escritor – e também de seus desdobramentos ao longo do tempo, aí incluído o próprio cinema moderno, do qual Joaquim Pedro foi um importante protagonista. Em tom também autocrítico, a memória construída é a uma só vez monumentalizante e crítica, consciente das tensões e limitações da tradição modernista. |
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Bibliografia | AGUILAR, Gonzalo. Os herdeiros da antropofagia. In: ANDRADE, Gênese (org.). Modernismos 1922-2022. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. p. 723-753. |