ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Memória. Tailândia, Colômbia, Escócia. Ponto de escuta e som ambiente |
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Autor | Fernando Morais da Costa |
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Resumo Expandido | Memória é o primeiro longa-metragem do tailandês Apichatpong Weerasethakul filmado fora de sua Tailândia natal, lançado de 2021. Analisaremos o filme como objeto central de uma comunicação que pretende unir o conceito de ponto de escuta aos sons ambientes e ruídos. Entendemos que tais elementos sonoros desempenham papel fundamental na nossa interação e identificação com uma determinada personagem. Memória confirma a importância dos sons ambientes na obra do diretor, como pode ser atestado, entre outros, em Mal dos trópicos (2004) e Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (2010), bem como a relevância da dualidade entre rural e urbano, também expressa na sonorização de tais filmes. Nos interessa também, na obra do realizador tailandês a relação entre sons ambientes e a escolha do planos-sequência como procedimento preferencial de decupagem. Lembramos aqui que tal relação já nos interessou em momentos anteriores de pesquisa, expressos na própria Socine. Por exemplo, quando foram analisadas tais combinações em obras audiovisuais de Leon Hirszman, Abbas Kiarostami, Cao Guimarães. Assim, pensar sobre Memória de acordo com tal escopo de análise seria, ao mesmo tempo, um ponto novo e uma continuidade, uma volta a um interesse recorrente. Será importante para nossa análise, além do conceito de ponto de escuta e suas variações, como formulado por Chion (2003), trabalhado por pesquisadores brasileiros pertencentes a este Seminário temático, além de recentemente utilizado em pesquisas nossas (Costa, 2020), o conceito de estraneidade, como formulado por Nestor Garcia Canclini, sobre a diferentes formas de se sentir estrangeiro hoje, no mundo contemporâneo (Canclini, 2016). Tal noção nos será útil para trabalhar sobre Memória, dada a transnacionalidade intrínseca ao filme, o diálogo entre três continentes. Em Memória, é central para a narrativa a importância dada à audição da personagem principal, Jessica Holland, interpretada por Tilda Swinton. Tal personagem busca entender porque ouve, repetidamente, um determinado som. Sua procura a leva a tentar reproduzi-lo, em estúdio, a partir do encontro com Hernán, um engenheiro de som. Tal sequência será uma das quais analisaremos. Em sua meticulosa descrição do evento sonoro, ela explica que seria algo como: “uma bola de concreto batendo em uma parede de metal, cercada por água do mar”. Na mesma sequência, o engenheiro de som pergunta: “Esse seu som é uma mensagem?”. Ao que ela responde: “Não. É um som”. Nos interessa pensar sobre a materialidade sonora discutida na própria trama, uma vez que há, nas sequências ambientadas em estúdios, o trabalho de representar de forma factual um som que seja produto de uma escuta subjetiva. Para além disso, há também as tentativas de imersão da personagem europeia, escocesa, em paisagens colombianas; a procura por uma situação factual na qual ela ouça tal som. Uma busca por um lugar no qual, por ventura, tal som possa acontecer. Analisaremos uma sequência em que tal encontro entre a personagem e o dado som parece acontecer, em meio à floresta, quando um personagem masculino, que divide tal ambiente com ela, adormece, medita (hiberna?). Entre sons do rio, de pássaros, ventos, folhagem, ela pergunta: “esse som também é seu?”. Entendemos que ao propor situações como estas, Memória instaura uma ambiguidade entre a possibilidade de um som, a princípio subjetivo, de fato existir em determinado ambiente, de forma objetiva, uma vez que, por fim, teria sido encontrado. Tal ambiguidade nos interessa, por abrir a possibilidade de analisar a relação entre a presença dos sons ambientes no filme e as possibilidades de identificações nossas, como espectadores, com a escuta da personagem principal, na fronteira entre uma audição subjetiva e objetiva. |
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Bibliografia | CANCLINI, Nestor Garcia. O mundo inteiro como lugar estranho. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016. |