ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O legado teatral de Vianinha no filme Um homem sem importância (1971) |
|
Autor | Reinaldo Cardenuto Filho |
|
Resumo Expandido | No ano de 1971, Alberto Salvá realizou o longa-metragem "Um homem sem importância". Em contraposição às ilusões propagadas pela ditadura civil-militar brasileira, a partir das quais vendia-se a modernização conservadora como solução para os impasses estruturais do país, o filme de Salvá apresentava algumas horas na trajetória de Flávio, jovem de trinta anos, desempregado, que vive o soterrar de seus desejos íntimos de ascensão social. Ao avesso de uma cinematografia brasileira na qual ampliava-se a produção de filmes comerciais voltados para o erotismo e o clima festivo de alta classe, "Um homem sem importância" concentrava esforços no retrato de uma juventude de origem popular cujas perspectivas de futuro viam-se anuladas diante dos avanços incontornáveis das contradições nacionais. No longa-metragem de Salvá, afeto e angústia atravessam o tecido fílmico como sentimentos que oscilam continuamente. Por um lado, a partir de uma dramaturgia que salienta os acasos da existência, Flávio vive uma jornada de encontros fortuitos, inesperados, por meio dos quais as ruas do Rio de Janeiro lhe oferecem solidariedade enquanto busca uma difícil colocação no mercado de trabalho. Marcados pelo amor e companheirismo, seja diante de um desconhecido que massageia o protagonista ou pelo despertar da paixão por uma secretária, os encontros acidentais da vida são momentos de beleza poética que encantam momentaneamente, de modo passageiro, uma trajetória envolta pela condição autoritária do país. Por outro lado, para além das alegrias pontuais, da felicidade casual e fugaz, a narrativa de "Um homem sem importância" trata de algo permanente na (de)formação da sociedade brasileira: a supressão violenta dos anseios populares por melhor qualidade de vida. Ainda que os caminhos de Flávio sejam povoados por instantes de afeto, as angústias decorrentes do desemprego e da miséria intransponível esmagam sua força existencial. Sentindo-se um cidadão de segunda classe, um homem de origem pobre sem qualificação educacional para vencer as disputas “meritocráticas” do capitalismo empresarial, o protagonista do filme não escapa ao circuito fechado da opressão. Num trânsito sem fim entre os cacos de alegria e as opressões duradouras, na antítese das ilusões vendidas pela modernização conservadora, o personagem principal de "Um homem sem importância" é interpretado por Oduvaldo Vianna Filho, dramaturgo que ocupava no início dos anos 1970 um lugar de liderança na resistência cultural à ditadura brasileira. Autor de um teatro engajado que se posicionou contra o autoritarismo, expondo as profundas contradições do país, Vianinha emerge no filme de Salvá não apenas como corpo a personificar uma figura dramática, mas também como encarnação alegórica de um gesto artístico em repúdio à opressão. Ao interpretar Flávio, personagem próximo a muitos que construiu no teatro, Vianinha aparece no tecido fílmico envolto por questões que se tornaram determinantes para sua própria criação dramatúrgica. A perda do idealismo e do desejo em um Brasil sob avanço capitalista, tema de peças como "Moço em estado de sítio" (1965) e "Mão na luva" (1966), ressurge, por outras vias, em "Um homem sem importância". Os conflitos geracionais que desvelam impasses de um país conservador, presentes nas peças "Nossa vida em família" (1972) e "Rasga coração" (1974), tornam-se parte constituinte da narrativa encontrada no filme de Salvá. Vianinha, ao tornar-se Flávio, parece interpretar aspectos cruciais de seu próprio fazer teatral, materializando em cena não somente um personagem, mas um projeto artístico de resistência. Inserindo-se nos estudos em torno das relações entre cinema e história, particularmente nas pesquisas sobre filmes não-canônicos realizados durante o regime militar brasileiro, esta comunicação pretende analisar "Um homem sem importância" como obra herdeira da dramaturgia política de Vianinha. |
|
Bibliografia | AZEREDO, Ely. Um homem sem importância. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 out. 1971 |