ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Processos criativos nos primórdios do vídeo experimental capixaba |
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Autor | Erly Milton Vieira Junior |
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Resumo Expandido | Entre 1985 e 1993, ocorre, no Espírito Santo, um ciclo audiovisual centrado na videoarte, videoperformance e videodança, em forte diálogo com as artes visuais. Muitas vezes, há uma ênfase maior nos processos do que nas obras em si, bem como forte interesse em questionar a natureza das imagens e seus modos de produção e circulação, próximo daquilo que Dubois entende como o “estado-vídeo”, num diálogo bastante peculiar com o cenário brasileiro do período. Pretendemos aqui apresentar parte dos trabalhos deste ciclo, ainda pouco conhecido dentro do contexto nacional, investigando suas poéticas os processos de criação de seus artistas. Uma das vertentes dessa produção é composta por artistas visuais que concebiam seus trabalhos em vídeo como desdobramentos de suas respectivas investigações e poéticas, dialogando com as especificidades da imagem eletrônica. É o caso de Nenna, Paulo Sérgio Souza (Socó) e Ronaldo Barbosa. Nenna foi pioneiro local na intervenção urbana e arte conceitual ("Estilingue" 1970), e também realizou a primeira videoinstalação em terras capixabas ("Taru", 1979). Seu trabalho "Vydeo" (1993), concebido para ser reeditado a cada nova exibição, incorporava registros de performance, um roteiro-poema, intervenções com participação de Franz Krajcberg e até mesmo um sampleamento clandestino de trechos (ou mesmo a íntegra) do filme "Di Glauber", problematizando as bases da proibição judicial de exibição do curta-metragem de Glauber Rocha. Já Socó interessava-se em investigar os movimentos (visíveis e invisíveis) da degradação de materiais orgânicos e inorgânicos, realizando a videoarte "Formólia" (1986, co-dirigido por Ricardo Nespoli), gravada num ferro-velho, marcada por ricas composições visuais, cores hipersaturadas e momentos de emulação tátil. Ronaldo Barbosa, outro artista da geração 70, realiza "Graúna Barroca" (1989). Uma das poucas obras desse ciclo a circular em festivais nacionais e internacionais, essa videoarte surge partir de uma intervenção na paisagem de uma praia deserta, onde troncos de árvores, rochas e gravetos pigmentados, algas, fogo e água são animados pelos movimentos da própria natureza – na contramão do videografismo então em moda. É como uma instalação viva de cores e formas oníricas que são destruídas pelo mar, com elementos visuais recorrentes em desenhos e pinturas do artista, aqui dialogando com ritmos e sons. Outra vertente dessa produção, realizada por coletivos culturais, centra-se na performance e/ou dança. O Éden Dionisíaco do Brasil, atuante entre 1988 e 1993, surgiu como desdobramento de um movimento contracultural universitário local, o Balão Mágico. Do ativismo anárquico do Balão, herdou-se o deboche, a recusa a hierarquias e a presença cotidiana do vídeo. O Éden surge relendo ironicamente a iconografia da história da arte em quadros performáticos como os "Quadros Bíblicos", em 1989, intervenção na qual a cabeça de São João Batista era entregue em um televisor. Preferindo muitas vezes obras abertas e inacabadas, o Éden focava no corpo e no gesto, com fortes inflexões queer, em trabalhos como "Panos e luzes" (1988), "O inferno de Dante" (1989) e "Comida, sexo e morte" (1993). Também na década de 80, surge a Cia. de Dança Neo-Iaô. No palco, sua coreografia e dramaticidade cênicas eram marcadas pela nudez andrógina, gestual expressionista e elementos do butô. Havia uma predileção por movimentos corporais em retrocesso, hesitantes, alternando fragilidade e virilidade, lentidão e mudanças bruscas de ritmo, num caráter ritual forte. Em vídeo, esses movimentos eram ampliados em composições visuais expressionistas, em plano muitas vezes fixos e longos, valorizando a interação do corpo do performer com a arquitetura e a paisagem, como as ruínas de Tiwanaku, na Bolívia, em "Via sacra" (1988/1990) ou as dunas da vila de Itaúnas, em "A criação do homem" (1991), com trilha sonora da paranaense Jocy de Oliveira, pioneira da música eletroacústica no Brasil e parceira de longa data do grupo. |
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Bibliografia | BORGES, Adélia. Ronaldo Barbosa: 40 anos de arte e design. Vitória: Studio Ronaldo Barbosa, 2017. |