ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Trajetória do fragmento e remontagem do arquivo yiddish: Mir Kumen On |
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Autor | Marcia Antabi |
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Resumo Expandido | A questão da transmissão e da preservação da memória é, decerto, um dos imperativos éticos do século XXI. Vários filmes do cinema yiddish desapareceram durante a Shoah. Da mesma forma, muitos diretores, atores e equipe envolvida nas produções cinematográficas foram assassinados. Em vista de uma urgência no desenterramento desta cinematografia, é imprescindível o movimento de resgate de contextos e histórias de fundo das produções do cinema yiddish. Nesse sentido, olhamos para este cinema como um cinema-passaporte. São filmes que servem como um passe, pelas imagens do cinema, para nos ajudar a transpor os limites do inimaginável. É necessário imaginar para transmitir: ativar a memória, provocar o pensamento por meio das imagens, dos testemunhos e da cultura. A partir do encontro com a cinematografia yiddish e da possibilidade destes filmes tornarem-se novamente visíveis, o desenterramento do cinema-passaporte significa um duplo interesse: o desejo de transmissão e de resistência ao total apagamento da cultura yiddish (presente-futuro) e a viagem entre mundos, temporalidades, espaços e línguas (passado-presente). O gesto de busca nos arquivos remanescentes de imagens sobre o cotidiano da comunidade judaica no entreguerras da Polônia contribui para a continuidade do revigoramento da cultura yiddish no Brasil e no mundo. Na condução da discussão para o âmbito da cinematografia, unimos o conceito de língua-passaporte (1996, p. 33), do especialista em língua yiddish no Brasil e professor emérito de estética e crítica teatral da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Jacó Guinsburg (1921-2018), para avistar o filme apresentado como páginas de um cinema-passaporte. O cinema funciona, portanto, como um passe para a conexão com a cultura, com a língua e com a história – inclusive com a história do próprio cinema. Viajar com o cinema yiddish é olhar para além de uma fresta e observar o horizonte da língua, atravessar outras línguas – polonês, russo, hebraico, aramaico, alemão –, outras geografias, aprender sobre as transformações modernas e sobre a história judaica. No processo de imersão na língua e na história por meio do cinema, cruzamos os espaços humanos que construíram estas narrativas ficcionais e documentais. Mir Kumen On, um dos poucos documentários que remanescem sobre a vida judaica na Polônia antes da Segunda Guerra Mundial, transporta o espectador para o tempo e entre lugares onde o maior núcleo social e cultural judaico da Europa vivia em 1935.O filme é uma prova de como a arte é política quando nos ajuda a redefinir a nossa forma de olhar e até de sentir. Chamamos a atenção aqui para a urgência daquele momento ao resgatarmos hoje tanto a narrativa do filme quanto a trajetória do cineasta. São camadas que surgem no documentário e que, na época, encontravam-se na ordem do impensado, do inimaginado, da atrocidade. A partir da produção e da montagem de Mir Kumen On, Aleksander Ford realizou um canto pela luta contra a tirania. No documentário de Ford, a teia tecida pelo cinema entre o teatro, a literatura e a música caracteriza um passaporte para a bagagem yiddish, transmitida de geração a geração.Ao gravar o documentário em 1935, o diretor e sua equipe não poderiam imaginar que, em seis anos, aquelas imagens tornar-se-iam evidências do genocídio. Ao produzir um arquivo do presente, o cineasta nos fornece hoje um fragmento da memória e da história. O que queremos ver com estas imagens é, de fato, uma questão que atravessa esta pesquisa em andamento. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Escavar e Recordar. In:__Imagens de Pensamento: Sobre o haxixe e outras drogas. Ed. e Trad.: João Barrento. 1. ed.; 2. reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. |