ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Prata Palomares e o desenho da cena por Lina Bo Bardi |
|
Autor | Rafael Vieira Blas |
|
Resumo Expandido | Prata Palomares é uma obra de contornos político-surrealistas, envolta por uma esgarçada teia de perseguições à película e desavenças envolvendo elenco e equipe técnica, que teve sua pré-produção em meados de 1970, sob forte influência do obscurantismo e do recrudescimento do autoritarismo pós Ato Institucional nº5, editado em dezembro de 1968, pelo Estado brasileiro. Em outra mão, o filme tem uma perspectiva anticolonialista, travando um diálogo producente com o cinema experimental, nos limites do cinema marginal e com forte aceno à estética introjetada pelo tropicalismo. Na selva das cidades marca a primeira colaboração entre Lina Bo Bardi e o Teatro Oficina, em 1969. O texto original de Brecht localiza a trama em Chicago, no ano de 1912, no entanto, o grande trunfo da montagem é a interpretação espacial que a cenógrafa dá à dramaturgia brechtiana, contestando o antigo palco italiano giratório, proposto por Flávio Império e Rodrigo Lefèvre no último redesenho do imóvel. Um ringue de boxe é proposto como elemento central, tendo como matéria-prima os resíduos descartados das obras recém iniciadas do Viaduto Júlio de Mesquita Filho e da varredura que a prefeitura empenhava pelo bairro no entorno da sede do Oficina. Logo após a conclusão do processo de Na selva, o grupo embarca em uma nova investigação: o cinema. André Faria, diretor de Prata Palomares, orbitava no Oficina como fotógrafo de cena e já carregava em seu currículo alguns longas-metragens como assistente de câmera, inclusive em O dragão da maldade contra o santo guerreiro. O roteiro de Faria passa por uma série de adaptações. Zé Celso e Renato Borghi colaboram com a escrita, temperando a dramaturgia com elementos surrealistas, aos moldes do Oficina. No embalo da bem-sucedida “arquitetura cênica” para Na selva, Lina é convidada a integrar a equipe do filme, sendo, mais uma vez, a responsável pela concepção da cenografia e figurino da película. A troupe sai da capital paulista em direção às costas do Sul. Entre os meses de junho e agosto de 1970, a equipe firma base na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Toda a produção foi sombreada por um clima de tensão e ruptura iminente entre os integrantes, que já vinham acumulando episódios de desgaste. Lina Bo Bardi não se envolve no imbróglio da companhia e mantém posição firme à frente da cenografia e figurino. A arquiteta fará uso da paisagem sulista, de morfologia e vegetação consolidadas, privilegiando a relação com o oceano. Lina se apropria de um conjunto de locações e vai intervir de forma contundente, sobretudo, no galpão industrial, onde está localizado o “paraíso”, espécie de casa de vícios e refúgio para perseguidos políticos e guerrilheiros da luta armada. Além da locação com características de abandono, é no interior da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, construção colonial do século XVIII, que Lina percebe um campo fértil, cheio de possibilidades, para o desenvolvimento de sua cenografia. As sequências internas vão revelar clara astúcia da cenógrafa ao promover, em um primeiro momento, uma igreja comum, passando por uma reforma, sem levantar qualquer suspeita por parte dos guerrilheiros que se abrigam nela. A medida que a história se desenrola, os artefatos ligados à construção civil vão se revelando instrumentos de tortura, pondo em xeque a neutralidade da igreja. As serras, mesa de corte, andaimes, correntes, arames farpados ganham novos sentidos à medida que a trama vai subindo o tom para o surreal, denotando auspicioso controle da cenografia em favor da mise-en-scène. |
|
Bibliografia | BARDI, Lina Bo; FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.). Lina Bo Bardi. 5ª ed. São Paulo: Instituto Bardi: Casa de Vidro: Romano Guerra Editora, 2018. |