ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Estesias audiovisuais de cinegrafias da luz em peles negras |
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Autor | Irene de Araújo Machado |
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Resumo Expandido | O estudo problematiza a dramaturgia audiovisual em atos de filmar no cinema negro. Para isso parte da análise de filmes em que a pele negra não apenas desafia padrões de visualidade mas também constrói contra discursos sobre a referência que tomou a pele e a luz brancas como únicos parâmetros de definição da fotossensibilidade da película fílmica na representação do mundo visível. Três questões se colocam sobre tal noção, sustentando a formulação do problema do presente estudo. Se a brancura da pele é parâmetro para definição da luminosidade e dos contrastes cênicos, a pele negra seria o oposto, ou seja, a negação de tal qualidade fotossensível? O que seria, então, cinema negro? Apenas o cinema em que pessoas pretas são enquadradas na lateralidade de temas e tomadas? Dentre os filmes que encaminham pensamentos para a análise das questões propostas, o estudo selecionou quatro produções em que a organização cênica resulta da dramaturgia de corpos negros que se manifestam como “corpos especulativos”. Em La noire de... (1966), Ousmane Sembène compõe uma escala de luminosidade e de contrastes cênicos entre o preto e o branco na configuração tanto dos cenários quanto da jornada diaspórica de uma jovem senegalesa. Orientando-se por uma composição que segue princípios semelhantes, Alma nos olhos (1974), Zózimo Bulbull explora no corpo toda a potencialidade de um espaço cênico de uma jornada diaspórica de escravidão e de luta pela emancipação. Já em Eu, mulher negra (1994), Joel Zito Araújo se voltou para o corpo especulativo que se manifesta nas vozes de mulheres negras que, em enquadramentos frontais, enunciam seus próprios discursos, narrando em primeira pessoa as atrocidades a que são submetidos seus corpos negros em sistemas públicos de saúde montado para a exclusão. A câmera se torna caixa de ecos das diversas indagações femininas. Com a mesma potência indagativa mas com um diferente tom de voz sussurrante, a cabo-verdiana Vitalina Varela entoa a determinação do corpo negro que resiste e persiste aos descasos de uma longa espera no filme homônimo de Pedro Costa (2019). Resiliente, a personagem encontra nos becos lisboeta destinados aos negros diaspóricos os caminhos da esperança que lhe fora negada. Do rosto sereno de Vitalina Varela propagam ondas estridentes de luminosidade igualmente resilientes que, como seu espírito, não se intimida com a hostilidade dos espaços de escuridão. Com a “alma no olho” as personagens negras constroem uma dramaturgia audiovisual que imprime no cinema negro diferentes entoações especulativas da experiência sensível de pensamentos encarnados na cinegrafia da pele negra. Estamos diante não apenas de diferentes cinematografias com as variedades temático-composicionais em torno de distintas jornadas diaspóricas, mas também de diferentes culturas cujas realizações compõem uma trama bem articulada da história do cinema negro. Um cinema em que história-memória- registro constituem a tríade estrutural para a construção da visibilidade da pele negra como película fotossensível, à revelia da parametrização da luz branca considerada a partir somente da pele branca. Não só o preto é uma cor como a pele negra não contradiz a natureza vibratória do fenômeno luminoso. Pelo contrário, nela o registro de luz impulsiona não apenas ações mas também memórias. No cinema negro, em cujas origens entrecruzam diferentes tradições de culturas negras, a cor preta da pele é explorada como energia criativa e força dramática. Entende-se que o páthos de experiências sensíveis que emergem à flor da pele negra manifestam-se como estesia de uma qualidade singular de sensorialidade, tal como formulada nos recentes estudos da decolonialidade. Ao examinar tal sensorialidade estética dos corpos especulativos em sua história-e-memária acredita-se alcançar as novas sensibilidades políticas de dramaturgias audiovisuais negras não submissas a um único modo de enunciação. |
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Bibliografia | ARAÚJO, J.Z. O negro na dramaturgia. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3. |