ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Ablação, descarrilho, colapso: a autotomia no cinema experimental |
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Autor | Rodrigo Faustini dos Santos |
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Resumo Expandido | “O que ocorre se […] o suporte é tocado por mãos perversas?”, questiona Jean-François Lyotard em seu texto “Acinema” (GRAHAM; WOODWARD, 2015, p. 41), ao tratar de um cinema experimental que compara à pirotecnia, em seu dispêndio autófago mas instigante, destrutivo da “boa forma” fílmica mas catalisador de efeitos inatingíveis sob o domínio diegético e sua mise-en-scène. Já em um dos momentos em que sua filosofia do cinema se permite abordar poéticas radicais, como a do Letrismo, uma indagação similar é apresentada por Gilles Deleuze: por meio da implosão contra-comunicativa daquelas obras, daria-se a ver ali uma “morte cerebral agitada, ou [um] novo cérebro?” (DELEUZE, 2005, p. 257). De fato, se observarmos a história do cinema experimental, é possível notar que tal prática, para além de operar uma extensão do repertório expressivo do meio, via que acaba por fomentar a partir da década de 1960 um “cinema expandido”, também aponta, desde os primeiros filmes da vanguarda, para operações em via contrária, automutilantes: a eliminação da câmera em troca de intervenção direta nos filmes de Man Ray, o dispositivo “alquebrado” de Marcel Duchamp em Anémic Cinema (1926), o abandono da lógica narrativa e a mutilação do olhar executados em Un Chien Andalou (1929) – enfim, direções de uma elaboração do cinema na qual as próprias estruturas do meio (técnicas ou discursivas) são suprimidas, contraídas ou tensionadas, a ponto de colapso. Não por acaso, Peter Tscherkassky (que já qualificou seu cinema de apropriação como um que experimenta com a “manufratura” de imagens), em seu filme Train Again (2021), após se utilizar do tema antológico do “trem chegando a estação” como protótipo do cinema em plena operação, instiga então o descarrilho do mesmo (e da película que lhe suporta no projetor) para representar ali a ruptura da “via experimental” do cinema – identificando-a com a obstrução e perversão do aparato, antes colocado em risco do que aprimorado ou expandido pelas poéticas radicais. Partindo de tal recorte, agregando certas propostas do cinema letrista, a avaria da imagem no filme de found footage, a precariedade do “quase-cinema”, a de-animação nos filmes de Martin Arnold e Heinz Emigholz, o anti-cine de Javier Aguirre, as gambiarras de Paolo Gioli e Alfons Schilling e a convulsão monocromática dos flicker films, entre outros, tomados como práticas que vão da contração (ou ablação) até o dano direto às estruturas do meio, buscarei indicar como uma ampla gama de filmes experimentais colocam o dispositivo em jogo, comprometem-no para experimentá-lo em seus limites, na contramão da “expansão” afirmativa do progresso tecnológico e mesmo em desacordo com o ascetismo do “paracinema”, que desmaterializa o filme em favor de uma “ideia” auto-suficiente de cinema (WALLEY, 2020). Nem expandido nem sublimado em essências, a discussão do “acinema” de Lyotard, como pretendo retomar, ganha relevância para discutir tais filmes que danificam ou enguiçam os componentes cinematográficos e suas funções consolidadas, visto que aponta para uma poética “sacrificial” da boa forma, passível de aproximação com a economia do “dispêndio” discutida por Georges Bataille (WOODWARD, 2014): processo sustentado por dinâmicas de demolição, no qual a condição para o ato expressivo ou a comunicação “exige um defeito, uma falha” (BATAILLE, 2017, p. 52), orientando-se pela heterogeneidade do inacabado em oposição ao enclausuramento do pré-determinado, fomentando a entropia. Subvertendo disposições aparatosas, tal “sacrifício” do meio almeja assim abri-lo (lacerando-o) para novos circuitos, (re)mediações desviantes de sua pretensa universalidade para explorar sua condição matricial, “auto-diferencial” – multiplicidade interna que persiste e mesmo se revela no processo de autotomia de sua operacionalidade, dano “válido apenas enquanto nos desordena, contanto que desordene o sujeito ao mesmo tempo” (idem, 1988, p. 484), provocando dinâmicas críticas de readaptação. |
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Bibliografia | AGUIRRE, J. Anti-Cine. Madri: Editora Fundamentos, 1972. |