ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | “Com o braço levantado e o semblante carregado”: as canções de Bacurau |
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Autor | Guilherme Maia de Jesus |
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Resumo Expandido | Para contar a história de um pequeno povoado, situado no futuro e no Nordeste do Brasil, abandonado pelo poder público e com seus habitantes sob ameaça de se tornarem vítimas fatais de um jogo cruel, Bacurau (Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, 2019), recorre a um compósito de música instrumental original; fonogramas de músicas instrumentais pré-existentes; fragmentos de música instrumental e cantada da tradição oral regional; cantos e ritmos percussivos de uma prática cultural afro-brasileira. Observado em um grande pano geral, o projeto musical do filme pode ser entendido como um conjunto variado de estratégias que transitam entre o modelo ‘clássico’, ou seja, música instrumental extradiegética aderida aos fluxos de tensões e distensões da narrativa; representações diegéticas de sonoridades tradicionais da cultura nordestina; trecho de uma canção estrangeira diegética e canções extradiegéticas do repertório popular massivo brasileiro do final da década de 1960, mais especificamente canções que constituíram o repertório que as indústrias fonográfica, radiofônica e televisiva da época rotularam de MPB. Pertencem a este último conjunto as três canções com mais tempo de tela e de alto-falantes do filme, e que serão objetos de análise nesta comunicação: “Não identificado”, composta por Caetano Veloso e gravada por Gal Costa (Philips, 1969); “Bichos da Noite”, de autoria de Sérgio Ricardo e Joaquim Cardozo, originalmente composta para a montagem de 1965 da peça O Coronel de Macambira e lançada em disco na voz de Sérgio Ricardo (Philips, 1967) e "Réquiem para Matraga", canção composta por Geraldo Vandré para o filme A hora e a vez de Augusto Matraga, (Roberto Santos, 1965) e gravada em disco em 1967 pelo selo Som Maior . Em diálogo com estudos recentes sobre o uso de coletâneas de canções pré-existentes no cinema contemporâneo; com a fortuna crítica sobre o filme e com declarações de profissionais envolvidos no projeto musical da obra, a análise imanente desvelou que a poética musical de Bacurau se alinha a uma tendência, notável no cinema contemporâneo, de uso de canções como meio de presentificação de um tempo pretérito ao da história que nos está sendo contada. No caso de Bacurau, essa estratégia parece convocar a (pós?) memória da instância espectatorial em uma chave nostálgica que insere no filme elementos utópicos dos ideários do Tropicalismo, do Cinema Novo e da canção de protesto brasileira da década de 1960. A estratégia sugere a hipótese de que as três canções com maior destaque na trilha sonora de Bacurau, todas criadas e lançadas na segunda metade da década de 1960, atualizam, no presente do espectador e no futuro da história, a memória de um passado marcado pela forte presença de uma canção popular e de um cinema que, “com o braço levantado e o semblante carregado” (Napolitano, 2010), participaram dos intensos embates políticos e estéticos daquela época. |
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Bibliografia | Carreiro, Rodrigo y Alvarenga, Breno. 2019. “Narrativas identitárias, autorismo e a canção popular no cinema: Clara e a música em Aquarius”. En Comunicação & Inovação, PPGCOM/USCSv.20, n. 44 [112-128] set-dez 2019 |