ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Imaginar o primeiro cinema brasileiro |
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Autor | Carolina Azevedo Di Giacomo |
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Resumo Expandido | Na primeira página do Jornal do Brasil de 25 de agosto de 1908, foi anunciado o lançamento de um filme chamado Sô Lotero e nhá Ofrasia com seus productos na Exposição (Jornal do Brasil, 25/08/1908, p. 1). Alguns dias depois, na Gazeta de notícias, o cronista Figueiredo Pimentel o indicou a seus leitores, descrevendo-o como uma “fita engraçadíssima, nítida, perfeita, que recomendamos, certos de seu sucesso” (apud ARAÚJO, 1976, p. 264). A empresa produtora era Labanca, Leal e Cia. e a estreia aconteceu no Cinema-Palace, sala de propriedade da mesma empresa, que ficava na rua do Ouvidor, na cidade do Rio de Janeiro. O operador, Antônio Leal, trabalhara como fotógrafo para a imprensa carioca e já havia realizado filmes de grande sucesso. Como indicam os poucos comentadores que já o mencionaram (TINHORÃO, 2002, p. 126; AUGUSTO, 1989, p. 85), o filme teria sido uma comédia ambientada no espaço da Exposição Nacional Comemorativa do 1º Centenário da Abertura dos Portos do Brasil, que, entre 11 de agosto e 15 de novembro daquele ano, recebeu mais de um milhão de visitantes oriundos de diversas partes do país. O casal que protagoniza o filme, natural da região rural de São Paulo, já seria conhecido do público desde pelo menos 1906, quando apareceu na revista teatral O maxixe, de autoria de D. Xiquote e João Phóca. E isso é quase tudo o que a princípio se sabe sobre essa fita que se perdeu. Sô Lotero e nhá Ofrásia... faz parte de um gênero popular no primeiro cinema, o dos filmes de caipira, que fazia graça do encontro entre personagens de origem rural e assuntos urbanos os mais diversos. Aparelhos telefônicos, parques de diversão, os novos meios de transporte ou a própria multidão que habita as cidades: os caipiras, no primeiro cinema, costumam reagir confusos, deslumbrados, aterrorizados – e quase sempre terminam por estragar tudo. Mas o filme que é nosso objeto de análise nesta comunicação não pode ser descrito diretamente, dada sua ausência. Por meio da análise de material fílmico e não fílmico, faremos então sugestões de como teriam sido as personagens, o roteiro, os cenários e a recepção de Sô Lotero e nhá Ofrasia..., amparando-nos em materiais de época como fotografias, notícias de jornal, ilustrações, textos literários, filmes nacionais e estrangeiros. A Exposição Nacional, que foi uma espécie de miniatura idealizada de cidade e de país, operava, como os filmes de caipira do primeiro cinema, uma didática da distinção. Nessa lógica, nossas personagens teriam “destoado” por suas reações “exageradas” às atrações do evento. Em nosso percurso de sugestão imaginativa do filme brasileiro perdido, sô Lotero e nhá Ofrasia, acompanhados por nós, chegaremos ao Rio de Janeiro, entraremos em uma confeitaria da moda, passaremos pela Porta Monumental da Exposição, visitaremos seus diferentes pavilhões, sobreviveremos a um incêndio, faremos um passeio no trenzinho de brinquedo e acabaremos no necrotério. Mas o mundo urbano que assombrava os caipiras do primeiro cinema era também novidade para o cidadão da capital federal, que acabara de ver sua velha cidade ser botada abaixo para a construção de novas avenidas e edifícios, por onde passavam a circular novos veículos e multidões. Os caipiras compõem a paisagem urbana representada nos filmes como aquelas figuras que, ao mesmo tempo em que enfatizam a modernidade de seu entorno (por contraste), representam algo “genuíno”, “nacional” e que materializa ansiedades generalizadas. Ao colocar em cena esses tipos desacostumados à cidade grande, esses filmes tematizam as ambiguidades de um encontro que não é protagonizado apenas pelos caipiras, mas por todos que vivemos transformações que descartam formas de vida sem cessar. |
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Bibliografia | ARAÚJO, Vicente de Paula. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. |