ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Mulheres de “Carne”: animação brasileira e resistência |
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Autor | Laryssa Gabriele Moreira do Prado |
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Resumo Expandido | O debate a respeito do espaço ocupado pelas mulheres no cinema de animação brasileiro ainda é recente. Entre as pesquisas que abordam a representatividade no campo de atuação e a representação na tela, encontram-se apenas iniciativas pontuais, iniciadas principalmente depois dos anos 2000. Em 2018, as reflexões ganharam um novo fôlego a partir da ausência de mulheres na celebração do centenário da animação brasileira, em 2017, resultando também em ações articuladas que têm criado um quadro de resistência. Como exemplo, destacam-se os curtas-metragens dirigidos por universitárias e recém formadas, nos quais elas respondem ao contexto hostil de forma prática: produzindo os seus próprios filmes. Refletindo a respeito de tais abordagens, este trabalho propõe a análise da representação das mulheres no curta-metragem "Carne" (2019), que marca a estreia da diretora Camila Kater. O filme foi selecionado em mais de 250 festivais e ganhou mais de 70 prêmios nacionais e internacionais. Na centralidade da trama está a mulher retratada por cinco diferentes corpos associados a pontos de cozimento da carne, cada um deles criado e animado por uma artista, utilizando-se de diferentes técnicas. Parte-se do pressuposto de que neste objeto é possível encontrar diferentes respostas para a pergunta: “o que é ser mulher?”, evocando não só uma pluralidade de sentidos, mas de estéticas e formas de existência, suscitando reflexões e avanços importantes no campo da animação nacional no que diz respeito à diversidade de gênero. Além da questão inicial, outras perguntas colocadas pelo filme surgiram no desenvolvimento da pesquisa, como: por que, independente da fase da vida, o corpo da mulher é sempre uma pauta? Por que a sociedade está sempre apontando questões a respeito deste corpo, seja ele como for? As metodologias utilizadas, para além da análise fílmica, foram a revisão bibliográfica e a etnografia da tela, de Carmen Rial (2005), que toma como base as mudanças promovidas pelo viés pós-estruturalista no campo dos estudos em humanidades, como os estudos culturais, teorias descoloniais e teoria queer. De acordo com João Freire Filho (2004), desde os anos 1960, a análise crítica da sub-representação ou representação distorcida das identidades sociais se consolidou como um dos temas centrais dos estudos culturais e midiáticos, em busca da afirmação e defesa da singularidade cultural de grupos oprimidos e marginalizados. O autor ainda recorre a Stuart Hall (1997) para apontar a necessidade do debate em torno do conceito de estereótipo, visto que sua formulação e difusão fazem parte de uma luta pela hegemonia. O curta-metragem de Camila Kater fornece indícios de um movimento inicial no cinema de animação brasileiro. As diferentes técnicas utilizadas sugerem uma diversidade de formas de ver, sentir e ser mulher. A pluralidade de vozes surge contra uma cultura de não satisfação com o próprio corpo, imposta pela sociedade bem mais do que por elas mesmas. Raça, classe e gênero moldaram as experiências. Assim como o que está na tela, a ficha técnica do curta conta com a predominância de mulheres. O processo de escolha das personagens e das animadoras se preocupou com os critérios de representatividade. "Carne" não abraça todas as possibilidades de representação do corpo feminino, empreitada que parece impossível a qualquer objeto audiovisual, mas, ainda assim, é de grande contribuição para o cinema de animação feito por mulheres no Brasil. Sua recepção internacional abre portas e incentiva novas artistas a se engajarem em conteúdos que falem de si, as motiva a apropriarem-se da técnica como forma de revolução e desabafo diante de discriminações diversas dentro de um amplo sistema de opressão, seja devido à sua raça, classe social, religião, orientação sexual, etnia, idade ou gênero. |
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Bibliografia | CARNE. Direção: Camila Kater. Produção SpCine, Doctela, Abano Producións. Brasil: Agencia Freak, 2019. Disponível em: https://www.nytimes.com/video/opinion/100000007491017/carne.html. Acesso em: 10 jul. 2021. |