ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Suspensão: a microcena como repertório do audiovisual experimental |
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Autor | Marcus Vinicius Fainer Bastos |
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Resumo Expandido | Suspensão, de duVa, é uma performance audiovisual estruturada em torno de cenas super curtas, apesar de que seu uso do Isadora, um software de processamento de imagem ao vivo, resulta em operações de linguagem que escapam ao repertório estabelecido da montagem audiovisual. Ainda faz sentido falar em cenas para se referir às unidades mínimas de uma performance com este perfil? Para não alargar e deslocar de forma desnecessária o vocabulário usado para falar de obras audiovisuais, é possível tratar estes conteúdos em termos de microcenas. A obra é composta de microcenas que resultam em microtemporalidades, instalando uma tensão paradoxal entre a curta duração e o prolongamento, como já foi sinalizado anteriormente. Os acontecimentos voltam sobre si e progridem, em campos de tensão complexos que movimentam o retorno ao mesmo e a variação de formas sutis. Antes de examinar isto em mais detalhe, vale voltar aos Cut Ups, de Burroughs, para consolidar melhor o conceito a partir de um exemplo da história do audiovisual experimental. O fio condutor (se é que faz sentido falar nestes termos a respeito de uma obra desconexa e fragmentária) de Cut Ups é o corte repentino, associado ao processo de intercalar cenas que produzem um jogo de continuidade e descontinuidade. As cenas são picotadas e intercaladas com as cenas seguintes, produzindo um efeito de progressão circular, em que há um retorno ao mesmo e um pequeno avanço. O efeito sensório que isto produz é de desorientação, o que o batimento quase estroboscópico obtido pelos cortes repentinos acentua. O conceito de microcena fica claro, pois há cortes que fazem com que a cena tenha uma duração rápida a ponto de isoladamente quase ser impossível o registro do que ela mostra, resultando a articulação entre as diferentes micro-cenas em um todo que é aprendido tanto pela visão quanto pela pele. Obras como Cut Ups e Suspensão tem um aspecto háptico provocado pela forma como suas cenas exploram batimentos e pulsações com a mesma intensidade que mostram coisas. É um audiovisual que não se restringe ao ser visto. O recurso às microcenas de aspecto reiterativo não é tão comum na história do audiovisual experimental, mas tornou-se um procedimento central do audiovisual contemporâneo, especialmente nas práticas de performance audiovisual associadas ao universo do remix, em que o loop assume um protagonismo nos modos de articular as sequencias. Este efeito reiterativo pode ser pensado pelo ângulo da microtemporalidade, pois a rapidez e a iteração levam a uma fragmentação da sensação de continuidade. Se o audiovisual é um encadeamento no tempo e a duração é o que permite estabelecer o nexo entre uma cena e outra, a microtemporalidade é uma fratura que transforma estes nexos em pulsações em que o elemento rítmico tem igual importância, ou talvez até maior que o elemento indexical da cena. Mas não se trata daquilo que Eisentein chamou de montagem rítmica. O cineasta russo concebeu este tipo de montagem em que o ritmo organiza a sequência, na medida em que a decisão de corte entre uma cena e outra é tomada em função da cadência que vai se estabelecendo. No caso do audiovisual contemporâneo, este procedimento é exacerbado e a velocidade do corte faz com que haja uma inversão de prioridades. Não é uma sequência organizada pelo ritmo, mas um ritmo que encapsula a sequência. A cadência assume este papel háptico mencionado anteriormente. A análise de Suspensão permite compreender este conceito de microcena, sua importância na obra do artista, e o papel que ele desempenha num entendimento crítico do audiovisual experimental, desde seu surgimento ao momento contemporâneo. Tal abordagem amplia o vocabulário crítico voltado para o audiovisual experimental, buscando formas de análise de obras que extrapolam a visão típica da análise fílmica, adequando-se aos novos modos de articular imagem e som que surgem no campo dos experimentalismos ao longo dos séculos 20 e 21. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Montage Eisentein. Bloomington: Indiana University Press, 1987. |