ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | “Organização mental do que foi visto”: Dziga Viértov na Crimeia, 1925. |
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Autor | Luis Felipe Gurgel Ribeiro Labaki |
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Resumo Expandido | Em agosto de 1925, Dziga Viértov passou três dias na região de Bakhtchissarái, na Crimeia. Ao retornar a Moscou, o cineasta produziu um detalhado relato manuscrito de sua visita, realizada como etapa de pré-produção das filmagens que transcorreriam na península para os dois projetos então sendo desenvolvidos pelos kinocs, “Exportação–Importação do Gostorg” e “A Corrida do Cine-Olho através da URSS”, e que acabariam sendo unificados em “A sexta parte do mundo” (1926). O estudo desse manuscrito inédito nos permite acompanhar uma etapa de trabalho de Viértov que nem sempre nos é dada a ver. Em sua concepção de montagem como “a organização do mundo visível”, apresentada no artigo programático “Cine-Olho”, estamos diante de um raro exemplo do segundo ponto desse processo, anterior ainda ao registro cinematográfico: “Montagem após a observação – organização mental do que foi visto”. Se podemos reconhecer nessas notas alguns elementos que estariam presentes na versão finalizada de “A sexta parte do mundo”, elas nos revelam também quais foram os interesses imediatos do cineasta ao percorrer a península, abarcando um amplo leque de temas. Comentários a respeito da rede comercial da região, principal interesse do contratante do filme, ocupam um espaço reduzido no relato que se concentra, por um lado, na descrição de espaços e construções históricas e, por outro, em comentários sobre moradores e costumes locais. Notas a respeito da culinária e música da região marcam o texto de Viértov, mas há sobretudo observações sobre os costumes religiosos dos tártaros da Crimeia. O cineasta expressa reiteradas vezes sua intenção de registrar mulheres muçulmanas abandonando seus véus, em ato performático diante da câmera – um gesto recorrente em sua obra, e que expressa aquilo que Oksana Sarkisova (2017) identifica como uma “ambiguidade inerente” do discurso soviético sobre o abandono da religião “em nome da ideologia comunista e dos valores modernos”, “combinando a retórica da emancipação com o desejo de possuir e dominar”. Dessa forma, esse “diário da Crimeia” condensa em poucas páginas algumas das principais características das expedições dos kinocs empreendidas nesse período: financiada pelo aparato estatal Gostorg, a viagem tem seu itinerário estabelecido a partir do eixo “Exportação-Importação” exigido pelo patrocinador, mas o olhar do cineasta logo se expande para outros temas ligados à vida da população local, supondo outros possíveis reenquadramentos do material a ser filmado, com destacado interesse por um tratamento de cunho etnográfico. |
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Bibliografia | GOLOVNIÔV, I. A. Traditsiónnie etnokultúrnie soôbschestva v etnografítcheskom kinó: ‘Tungússy’ Elizaviêti Svílovoi. Izviêstia Irkútskogo gussudárstvennogo universitiéta. Siéria Gueoarkheolôguia. Etnológuia. Antropológuia. 2019, v. 27, p.86-96. |