ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Cinema Lascado: uma estratégia em Encontros |
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Autor | Álvaro André Zeini Cruz |
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Resumo Expandido | Em um mundo de telas, a palavra streaming tem sobreposto vocábulos anteriores – audiovisual, televisão, cinema – e delimitado acervos rasos e restritos. As narrativas feitas em imagens e sons tornam-se prisioneiras da convergência, menos por uma necessidade diegética do que por uma imposição pelo consumo. O speed watching se revela uma prática entre o público ávido por dar conta da infinidade de conteúdos à disposição das digitais; e, mesmo na cinefilia, o quantitativo se impõe, transformando-a numa cinefagia (MENDONÇA, 2016). Nesse cenário – aqui resumido e recortado (e, por isso mesmo, incompleto) –, proliferam cursos superiores destinados a formar profissionais para produzir/pensar imagens, sons e telas. No Brasil, esse ensino tem sido posto sob o guarda-chuva amplo do audiovisual, o que certamente expande possibilidades de mercados a esses futuros profissionais, mas tende a reduzir e homogeneizar a um denominador comum as várias áreas desse campo. Nesse contexto de assimilações imediatistas, a fruição cinematográfica e o cinema como arte complexa acabam restritos à assimilação conteudística – muitas vezes desinteressada – ou acumulativa. A partir desse cenário – que reverbera de diferentes formas nas salas de aula –, a pergunta que guia esta proposta é: como repensar o ensino do cinema para uma experiência de ensino-aprendizagem que priorize e parta da experiência estética? Encontros do Cinema Lascado formula uma hipótese para esse problema propondo uma estratégia de ensino de cinema a partir da inevitabilidade do fragmento fílmico (AUMONT, 1995; BERGALA, 2008) como uma “provocação do desejo de ver o filme inteiro” (BERGALA, 2008, p. 121). Trazendo para a relação de ensino-aprendizagem as analogias da escavação (ELSAESSER, 2018) e da navegação (DANEY, 1989), o fragmento, então, torna-se lasca, que surge não de forma isolada, mas numa “Pedagogia da Articulação e da Combinação” (BERGALA, 2008), que tem a superfície fílmica – isto é, a camada denotativa do estilo (BORDWELL, 2008) – como critério para a curadoria e montagem do material de cada encontro. O que se efetiva ao aluno é a exibição de um material audiovisual criado a partir dessas lascas fílmicas que têm ações em comum. Nesse processo, o professor posterga sua sobreposição ao filme, assumindo antes a função de um curador que garimpa e organiza as lascas para, em sala, exercer, principalmente, o papel de “mostrador”. Da “mostração” do material, surge a pergunta que busca disparar essa partilha horizontal de experiências, e que reitera a alteridade cinematográfica: como foi a experiência de assistir? O viés fenomenológico busca na descrição das experiências uma confrontação com o “brilho da obra” sem protetor solar (ARASSE, 2013, p. 3); ou, como coloca Sontag, “em vez de uma hermenêutica, [...] uma erótica da arte” (2020, p. 46). Nessa partilha descritiva, Encontros do Cinema Lascado quer estimular os participantes a uma autonomia (FREIRE, 1996) iniciada por “um movimento que consiste em nos pôr para fora” e que vai efetivar “um tipo de conhecimento sensível e de transformação ativa de nosso mundo” (DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 26). Propõe, portando, uma partilha das lascas vistas e, consequentemente, das lascas do eu, fazendo dos Encontros uma experiência afetiva, que costura um vínculo entre a alteridade cinematográfica e as dimensões da afetividade e suas respectivas ativações – emoção, sentimento, paixão; ativação fisiológica, representacional e do autocontrole (MAHONEY; ALMEIDA, 2005). É preciso sublinhar que esta não é uma estratégia excludente, ou seja, não inviabiliza outras contribuições para além da fenomenologia, mas propõe uma inversão das rotas costumeiras (a partir da linguagem, por exemplo) através de uma restituição à fruição. Como bem coloca Sontag (2020), “precisamos aprender a ver mais, ouvir mais, sentir mais” (1964, p. 23). Um caminho para isso, é vendo, ouvindo, sentindo as lascas nossas, dos filmes e daqueles que os assistem junto a nós. |
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Bibliografia | ARASSE, D. Nada se vê: seis ensaios sobre pintura. São Paulo: Editora 34, 2019. |