ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Coffea Arábiga, Congo e o documentarismo latino-americano a contrapelo |
|
Autor | Marcelo Vieira Prioste |
|
Resumo Expandido | Em 1978, o fotógrafo e cineasta Arthur Omar publicou o texto O Antidocumentário, provisoriamente, descrevendo algumas das estratégias utilizadas, tanto em Congo (Brasil, 1972) como em algumas outras de suas obras, para desmontar a forma dicotômica que tradicionalmente orienta as relações entre filme e objeto filmado, passando a entendê-los como uma só construção feita a partir de “objetos em aberto para o espectador manipular e refletir” e, assim, deixando-se “fecundar pelo tema”. Congo, que a princípio é apresentado como um documentário sobre o festejo popular da congada, não oferece quaisquer dos previsíveis elementos a respeito do tema, um evento sincrético religioso afro-brasileiro que vem desde o século XVII mesclando elementos religiosos católicos (europeus) e africanos por meio de danças, músicas, encenações e desfiles, como uma alegoria de culto à coroação do Rei do Congo e da Rainha Jinga de Angola. Quatro anos antes, na ilha de Cuba, durante a implementação de um audacioso plano governamental para o plantio de café em larga escala nos arredores da capital Havana (el plan cafetalero), o cineasta Nicolas Guillén Landrián (1938 – 2003), sobrinho de Nicolás Guillén (1902-1989), um dos maiores expoentes da poesia cubana, realiza um filme repleto de controvérsias. Considerado por muitos, como o pesquisador Paulo Paranaguá, “a película más insólita e irreverente jamás realizada en la isla” cubana, Coffea Arábiga (Cuba, 1968) de certa maneira não deixa de ser coerente a seu tempo, período em que muitos filmes continham em seu cerne algum rompimento com narrativas convencionais para revelarem elementos constitutivos de linguagem; provocando e desafiando o entendimento do espectador. A premissa muitas vezes era de que uma autorreflexividade teria a capacidade de revelar o potencial ilusionista do próprio cinema e suas implicações na visão de mundo por parte do público, gerando um efeito desalienante desencadeador de alguma possível reação. Porém, ao tensionar com alguns valores basilares estabelecidos pela política cultural cubana, o filme de Landrián acabou sendo pouco divulgado para ser posteriormente “arquivado”, um eufemismo adotado no ICAIC para sua proibição (PARANAGUÁ, 2003). Tanto Coffea Arábiga como Congo, ao adotarem subterfúgios na forma fílmica para lidarem com temas sensíveis à Cuba revolucionária dos anos 1960 como à ditadura brasileira da década seguinte, principalmente questões como racismo, luta de classes e controle ideológico, se lançam com astúcia na tentativa de erodir os respectivos imaginários consolidados que, como um conjunto de imagens, símbolos, personagens e eventos são reconhecidos pelo indivíduo, se manifestam no coletivo e resultam em uma visão de mundo compartilhada. Neste sentido, na análise do filósofo inglês Terry Eagleton de “[…] pensar no discurso ideológico como uma complexa rede de elementos empíricos e normativos, dentro da qual a natureza e organização dos primeiros é, em última análise, determinada pelos requisitos dos últimos (EAGLETON, 1997, p. 33). E, sendo assim, ao necessitarem de elementos do mundo empírico para se organizar, estes funcionariam tais quais “suportes”, que aqui nesta análise serviram para uma criativa sabotagem por parte de seus realizadores, tal qual na obra cubana, que originalmente seria um filme pedagógico sobre a importância do plantio de café, como na produção brasileira, que aparentemente poderia ser mais uma leitura etnográfica a respeito de uma celebração popular. Mas ambos, portanto, estavam imbuídos numa ousada aposta benjaminiana de escovarem a história a contrapelo, por meio de improváveis imagens, letreiros e sonoridades. |
|
Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. |