ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O cinema de Aline Motta: as superfícies e os espólios da colonização |
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Autor | Gilberto Alexandre Sobrinho |
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Resumo Expandido | Aline Motta (Niterói, 1974) é uma artista contemporânea multimidia. Trabalha com diferentes técnicas e práticas artísticas, entre outras a fotografia, o cinema e a instalação. Suas intervenções em espaços expositivos são imprevistas e sua obra traz o aspecto obtuso do “terceiro sentido” barthesiano. Neste trabalho, proponho um estudo de seus filmes Filha Natural (2018-2019) e a Trilogia composta por (Outros) Fundamentos (2017-2019), Pontes sobre Abismos (2017) e Se o mar tivesse varandas (2017). São trabalhos audiovisuais em pesa a relação entre documento, história e território, entre outros motivos. O resultado compõe-se de filmes ensaios, em que o processo subjetivo de narrar mobiliza questionamentos de autorrepresentação, construção identitária e memória, a partir de tensões entre encontro, o processo de pertencimento e a ancestralidade. Nos filmes, os deslocamentos dos corpos, as vozes e as imagens e os sons são atualizados por um intricado labor com as texturas e as superfícies sonoras e visuais, em que a política e a estética friccionam, resultando em camadas potentes nas relações entre cinema, vídeo e as artes visuais em vias transoceânicas, em que Portugal, Serra Leoa, Angola, Nigéria e Brasil compõem um curto-circuito de imagens e sons, tempos-espaços afro-euro-diaspóricos. Quando expostos no Museu de Arte do Rio – MAR, em 2021, o diretor do Museu, Marcelo Campos, assim se referiu a esses trabalhos: “A obra de Aline Motta adensa-se em cores, contrastes, sombras, buscando altas definições que não estão nas imagens, mas, antes, nas histórias para além da fotografia. Invocam-se as vozes, os corpos, os nomes e sobrenomes, ampliando os sentidos de muitas histórias de vida. (...) Os fatos porosos, as pontes desfeitas resultam das diásporas. A quem foi negada a reparação histórica que relega os testamentos da invenção do Brasil às camadas mais desiguais de subalternidade? Este é o espólio resultante da invasão portuguesa.” É de Campos que extraímos o título e buscamos uma expansão analítica. Na mesma exposição, o texto de Alexandre Araújo Bispo pondera: “Agindo como uma catadora de farrapos orais, visuais e escritos das histórias encobertas de sua família, Aline Motta faz uma incursão a lugares distantes entre si, aproximados, entretanto, pelo oceano atlântico, alinhando-os em uma obra repleta de água – salgada, doce, transparente ou poluída. (...)”. Essas águas banham as imagens e revelam traços da história incompleta de sua linhagem familiar. Assim, a busca, os afetos, a partilha desses momentos tecidos e banhados compõem um universo com uma visualidade bastante original. Sua poética pode ser compreendida como a expansão dos efeitos de sentido do corpo em deslocamento transoceânico, amalgamado por intensa pesquisa de linguagem que oferece recursos para uma visita ao pensamento da superfície (Bruno, 2014) nas e das imagens. Há uma proposta expandida, inclusive, que objetiva expandir os atributos de linguagens e de tecnologias, justamente, para que as relações entre essas máquinas de imagens, matérias e possibilidades de construção de objetos possam ativar outros modos de pensar o corpo e suas memórias. Na manipulação de arquivos visuais ou na “visita” a lugares de memória, recuperam-se objetos e trabalha-se a ressignificação deles. Aspecto central na arte contemporânea é a manipulação de arquivos visuais ou a “visita” a lugares de memória, recuperando-se objetos e trabalhando a ressignificação deles. Artistas convertem-se, nesses processos, em historiadores poéticos, narradores de textos encontrados, organizadores do caos do mundo, tal como John Akomfrah, para o cinema e a arte multimidia. Portanto, pretendemos realizar a análise desses produtos audiovisuais à luz dessas considerações e enfatizando-os como filmes-ensaios em que pesam os sentidos de deslocamentos afro-diaspóricos, questões ancestrais em potente trabalho com as superfícies das imagens nas tensões com ruínas resultantes da colonização. |
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Bibliografia | BARTHES, Roland. O obvio e o obtuso: ensaios criticos III. Coautoria de Lea Porto de Abreu Novaes. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1990. |