ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Tartarugas podem voar: a infância no cinema curdo de Bahman Ghobadi |
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Autor | Stephanie Oliveira da Silva |
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Coautor | Juliana Santoros Miranda |
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Resumo Expandido | Os curdos são a maior nação sem país do mundo e compõem diferentes grupos que totalizam de 30 a 40 milhões de pessoas vivendo entre fronteiras, na ausência de um território próprio. Tal como os palestinos, sofrem ataques que visam o seu genocídio e o apagamento de sua cultura. Posto isto, entendemos que o cinema é um meio de alteridade, memória e potencial “fabulador” da história destes povos, ao lado de sua música característica, do ensino oral dos próprios idiomas, das palavras dos livros e dos demais registros e criações significativos. O cineasta Bahman Ghobadi foi o primeiro iraniano a produzir filmes em curdo – tanto no idioma quanto pela perspectiva e afirmação da identidade –, o que motivou outros artistas a assumirem a identidade curda e a organização de festivais de cinema curdo na diáspora, sobretudo na Europa. No presente estudo abordaremos principalmente o papel da infância nas obras de Ghobadi, tendo como foco o filme “Tartarugas podem voar” (2004), a partir do qual realizaremos uma breve análise, além de estabelecer uma discussão com o cinema iraniano. Afinal, Ghobadi é um iraniano curdo que já trabalhou ao lado de cineastas como Abbas Kiarostami e Samira Makhmalbaf, o que naturalmente gera influências estéticas e narrativas como as semelhanças de estilo e algumas características específicas: as locações reais, os não atores, o pertencimento ao lugar e contexto filmados, o improviso, o limiar entre o documental e o ficcional, os deslocamentos geográficos, a poética da jornada e o uso recorrente de crianças. Em “Tartarugas podem voar”, temos a orfandade representativa das crianças refugiadas: elas simbolizam o próprio Curdistão órfão de território, negligenciado pelas potências mundiais e regionais do Oriente Médio. Porém, ainda que abandonadas à própria sorte, inclusive tendo membros do corpo mutilados pelos espólios da guerra, essas mesmas crianças – e esse mesmo Curdistão – existem e resistem, ainda que desamparados. Laços e afetos, união entre os membros da comunidade e uma política interna calcada na “autogestão” são características do convívio entre essas crianças que operam como personagens reais da narrativa do filme e do povo curdo. Além das metáforas, tais crianças desempenham os papéis de suas próprias vidas. Também representam as vivências do próprio diretor Bahman Ghobadi, que afirma elencar em suas obras crianças que o fazem lembrar de si mesmo. Segundo Kelen Pessuto (2017), embora esteja lado a lado com a guerra, a pobreza e a exclusão, se trata de uma infância característica de seu contexto, lugar e período histórico. Ou seja, é uma infância distinta da imaginada no Ocidente, porém, ainda é uma infância, entre tantos tipos de infâncias. Ao lado desses não atores infantis, as terras repletas de minas, as tendas de refugiados, os tanques de guerra, os vendedores de armas e os morteiros que Ghobadi mostra em seus filmes são reais, muitas vezes naquele exato estado em que são apresentados no filme. Portanto, vemos no cinema curdo a materialização dos elementos que Andréa França (2003) atribui ao “cinema de fronteira”, como a “sua possibilidade de revelar a alteridade, permitir o acesso a mundos, mesmo longínquos, e a comunicação e a participação de experiências múltiplas” (FRANÇA, 2003, p. 111). Este modo de se comunicar converge com as reflexões acerca do imperialismo estadunidense – em um contexto de orientalismo e eurocentrismo – e do papel da informação, além da insurreição da identidade curda. Levando em conta as reflexões citadas, pretendemos realizar a análise do filme em questão não somente no âmbito estético e cinematográfico, mas de acordo com o contexto em que está inserido, dado a sua relevância. |
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Bibliografia | DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tomam posição. Belo Horizonte: UFMG, 2017. |