ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Kubrick com Ravel: a valsa como signo de uma impossibilidade |
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Autor | IVAN CAPELLER |
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Resumo Expandido | "La Valse" é um poema sinfônico composto por Ravel logo após a 1ª Guerra Mundial com cerca de 12min de duração. "La Valse" nos apresenta a forma musical “valsa” como um anseio recorrente da orquestra que é sempre diferido, interrompido, inacabado ou simplesmente não desenvolvido de forma propriamente “concertante”. Não há um único tema melódico perfeitamente acabado e sucessivamente retomado pelas diversas seções da orquestra em um crescendo inexorável, como no "Boléro"; há uma série cumulativa de idas e vindas melódicas que se superpõem e se anulam reciprocamente, aliada às marchas e contramarchas rítmicas que ora introduzem, ora interrompem as diversas seções da orquestra. A partir de um acúmulo crescente de cromatismos e descontinuidades melódicas associadas às irregularidades rítmicas, ouvimos a "débâcle" ou naufrágio da valsa como forma musical, muito mais do que sua apoteose. "La Valse" é a sabotagem da valsa como forma musical regular e uma demonstração de sua impossibilidade. Por isto, o coreógrafo russo Diaghilev teria se recusado a coreografá-la, declarando tratar-se do “portrait de um ballet” e não de um ballet propriamente dito. É esse aspecto marcadamente “visual” de "La Valse" que nos dá a chave para uma possível articulação entre a obra de Ravel e a obra de Kubrick: ambos apresentam a valsa como a forma recorrente e circular de um anseio pelo impossível que extravasa o plano sonoro/musical de expressão para ressoar até mesmo no vácuo do espaço sideral. Mas, se "La Valse" apresenta e faz visível o movimento abstrato de um rodopio incessante como o signo de uma impossibilidade, qual é a impossibilidade que aqui se manifesta? O primeiro filme de Kubrick em que uma valsa aparece com algum destaque, "Paths of Glory", insere a valsa em um contexto histórico nada lisonjeiro, o dos fuzilamentos perpetrados pelo exército francês, durante a 1ª Guerra Mundial, contra seus próprios soldados. Com efeito, a valsa neste filme é bailada na véspera de um destes fuzilamentos e o general com poder para evitar a execução é retirado de má vontade do baile para conversar a sós com o protagonista do filme. Continuamos a ouvir a valsa em BG ao longo da conversa entre os dois personagens, conversa que sela o destino dos soldados e dispõe impunemente de suas vidas. O contraste entre a suave elegância da trilha sonora e a crueza infame do diálogo destrói qualquer possibilidade de alusão nostálgica à "belle époque" através da valsa, como já insistia Ravel. A mera utilização de uma valsa qualquer, neste contexto, sugere a retomada de uma discussão sobre a impossibilidade da valsa que era musical e coreográfica em Ravel e que se torna propriamente audiovisual na obra de Kubrick. A presença da valsa perpassa vários filmes de Kubrick e se reconfigura de diversos modos, sobretudo nos três filmes em que a questão da impossibilidade é abordada de forma radical: "2001 - uma Odisséia no espaço", "A Laranja Mecânica" e "Eyes Wide Shut". A valsa aparece, nesses três casos, como o índice sonoro de uma regularidade impossível: a impossível regularidade da tecnologia e da linguagem em "2001" - um filme sobre um supercomputador que enlouquece de maneira humana, demasiado humana; a impossível regularidade do estado e da sociedade em "A Laranja Mecânica" - um filme em que até mesmo a morte é considerada melhor do que a submissão ao impossível processo social de reificação dos seres humanos; e, por fim, a impossível regularidade das noções de subjetividade e de sexualidade em "Eyes Wide Shut" - um filme em que o verdadeiro protagonista (evidenciado pelo uso da "Valsa nº2", de Shostakovich, na sequência de abertura do filme) é a própria impossibilidade entendida como o movimento incessante do desejo. Valsa da tecnologia, valsa da violência, valsa do desejo: em Ravel e Kubrick, a impossibilidade manifesta na valsa apresenta o problema da própria impossibilidade como um problema de caráter civilizatório maior para a sociedade e seus diversos sujeitos. |
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Bibliografia | - BENSON, Michael. 2018. 2001: Uma Odisséia no Espaço – Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a criação de uma obra-prima. Editora Todavia. |