ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | A dobra da imagem e da história em O Recurso do Método |
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Autor | Marco Túlio de Sousa Ulhôa |
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Resumo Expandido | Na primeira cena do filme, O Recurso do Método (1978), do cineasta chileno, Miguel Littín, as repetições das ações que encenam o despertar do protagonista da trama, demonstram de maneira objetiva, uma dobra no tempo e no espaço da representação, articulada pela forma como tais repetições são vistas a partir da variação de diferentes escalas de planos e pontos de vista da câmera. Nesta cena, as diferenças que operam no corpo das imagens, nos mostram que repetir não é um gesto propriamente redundante, mas um movimento conceitual que, na obra em questão, a totalidade da narrativa também incorpora de um modo menos evidente. Pois, o modo como a primeira cena do filme de Littín concebe uma metáfora da circularidade do tempo, revela como a influência do romance original de Alejo Carpentier em sua adaptação, promove uma compreensão elíptica da passagem do tempo e do desenvolvimento da História, a partir de uma série de movimentos cíclicos do enredo que se desdobram em novas imagens e produzem uma temporalidade que, em função de seus fatos simbólicos, pode ser definida como anacrônicas. Inspirado pela obra e a teoria literária de Alejo Carpentier, a adaptação de Miguel Littín reitera as categorias estéticas daquela que ficou conhecida como a “teoria do real maravilhoso americano”, através da qual o escritor cubano desenvolveu suas especulações sobre a alteridade do ser latino-americano e o universo poético da literatura. Ao remontar à imagem fundacional da América Latina, forjada pelos cronistas do Novo Mundo, Carpentier almeja traduzir, de acordo com a leitura de Irlemar Chiampi, a união de elementos díspares procedentes de culturas capazes de configurar uma nova realidade histórica e subverter os esquemas representativos da racionalidade ocidental. Neste sentido, é que O Recurso do Método, em sua alusão ao discurso cartesiano, ironiza a reincidência dos regimes ditatoriais na América Latina, através da figura caricata de um caudilho latino-americano que, a despeito de sua própria cultura, preconiza a necessidade de um processo civilizatório marcado pelos valores da racionalidade europeia. Logo, as diferenças nas repetições dos processos históricos que, nas obras de Carpentier e Littín, demonstram o movimento trágico da história política dos países latino-americanos, apontam para um conceito de repetição em conformidade com a tese de Deleuze, para a qual as repetições encontram em suas estruturas mais profundas, um tipo de repetição oculta em que se disfarça e se descola, um “diferencial”. Em direção à divergência e ao descentramento, as repetições encontram, portanto, estes diferenciais que fazem da representação uma crítica à identidade. A partir destas categorias, é o que o modelo de representação cinematográfica de O Recurso do Método é analisado sob o prisma do seu diálogo com o realismo maravilhoso, tendo em vista os seus fatos simbólicos e a estrutura temporal de sua narrativa, ao sugerir a existência de uma série de dobras no decorrer do discurso fílmico que, além de remeterem ao princípio leibneziano de complexificação das estruturas significantes também proposto por Deleuze, faz convergir da crítica à identidade, uma crítica à linearidade do tempo encarnada pelo conceito de anacronismo. Esta convergência de uma questão ontológica com uma questão de natureza poética é o que, por fim, articula a crítica à razão historicista que, segundo Didi-Huberman, faz do anacronismo um fenômeno situado com precisão na dobra entre a imagem e a História. |
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Bibliografia | CARPENTIER, Alejo. El cine, décima musa. México, D.F.: Editorial Lectorum, 2013. |