ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | A política das imagens em O índio cor de rosa contra a fera invisível |
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Autor | fernanda ribeiro de salvo |
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Resumo Expandido | No documentário brasileiro O índio cor de rosa contra a fera invisível — a peleja de Noel Nutels, dirigido por Tiago Carvalho e lançado em 2020, a estética e a política andam entrelaçadas. O documentário traz imagens realizadas pelo médico sanitarista Noel Nutels. Entre as décadas de 1940 e 1970, Nutels percorreu o interior do Brasil atendendo populações indígenas, sertanejas e ribeirinhas em expedições documentadas por ele em filmes 16mm. No ano de 1968, Nutels foi convidado a falar na CPI do Índio, no Congresso Nacional, quando fez um forte depoimento em defesa das populações autóctones, denunciando o genocídio e o massacre histórico de que foram vítimas. A gravação das declarações de Nutels é o único registro que restou de sua voz. É exatamente sobre esse material de arquivo que trabalha Tiago Carvalho. Em O índio cor de rosa contra a fera invisível, o cineasta retoma documentos imagéticos distintos. Além de reunir 21 filmes realizados por Nutels, a narrativa é composta por registros privados e institucionais que testemunham encontros entre brancos e indígenas ao longo da história do Brasil. No caso do filme, o trabalho da montagem atribui sentido ao material, quando as diferentes imagens são justapostas e acrescidas do áudio portador do depoimento de Nutels à CPI. Sobrepostas às imagens, as palavras de Nutels funcionam como elemento catalisador de profundas reflexões, pois o depoimento torna-se mais penetrante e vivo à medida em que contemplamos os registros etnográficos reveladores da rica vida vivida pelos indígenas, plenos em sua comunhão com a floresta. Entretanto, as palavras presentes na banda sonora, emitidas pelo sanitarista, lembram que a “cobiça, voracidade, ambição continuam matando índio”. Por vezes, a voz de Nutels é entrecortada pelas imagens que mostram os índios sendo examinados, medicados, medidos e “classificados” pela equipe médica, assim como “pacificados” pela catequese religiosa. No espaço-tempo criado pelo filme há, pois, o adensamento de questões fundamentais do passado e do presente na história do Brasil, que remetem ao extermínio dos povos originários, à fragilidade dos índios frente ao mundo dos brancos e à tutela imposta pela colonização como forma de silenciamento do Outro (OLIVEIRA, 2016). Diante da experiência que o filme propicia, é impossível não pensar na sanha dos brancos pela conquista, na defesa da “colonização da Amazônia” — discurso encampado pelos militares nos anos 1970, que prometeram o progresso como um oásis, tendo produzido, na prática, a destruição das vidas e da natureza. É impossível, igualmente, não nos lembrarmos das reflexões do xamã yanomami Davi Kopenawa (2015), sobre as palavras do criador de seu povo, Omama, que aconselhou os índios a não abandonarem a floresta, impedindo que os brancos a desmatassem e sujassem os rios. Diante desses pressupostos é que pretendemos, no corpo a corpo com o documentário, indagar de que modo seus investimentos estéticos e políticos se entrelaçam, instaurando perspectivas contra-colonizadoras e a revisão das historicidades dos contextos amazônicos. Pretendemos refletir, assim, como o filme confronta o documento histórico, a imagem oficial, o enquadramento idealizado, criado pelo Estado, no que respeita à representação indígena. Em nosso entendimento, o cinema é potente para criar uma “contra-história, não oficial, liberada, parcialmente, desses arquivos escritos que muito amiúde nada contêm além da memória conservada por nossas instituições” (FERRO, 2010, p. 11). Para alcançar as diversas dimensões que esse problema abarca, nos valeremos das contribuições dos estudos decoloniais (MALDONADO-TORRES, 2020; SANTOS, 2019) e dos estudos voltados à estética e à política das imagens (SHOHAT e STAM, 2006; RANCIÈRE, 2005). No que tange às revisões sobre a Amazônia e seus processos de colonização, trabalharemos com autores como PIZARRO, 2012; IANNI, 1979 e OLIVEIRA, 2016. |
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Bibliografia | FERRO, Marc. Cinema e História. SP: Paz e Terra, 2010. |