ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O cinema na “virada da mobilidade”: devires fílmicos de La Salada |
|
Autor | Caio Bortolotti Batista |
|
Resumo Expandido | “Como formular questões e identificar métodos apropriados à investigação social num contexto em que ‘entidades’ duráveis de muitos tipos se mostram instáveis, mutantes e móveis? (...) E de que forma nossos modos de 'saber' estão sendo transformados pelos próprios processos ‘móveis’ que desejamos estudar?” (SHELLER; URRY, 2006, p. 212, tradução minha) Tais indagações, presentes no emblemático texto de Mimi Sheller e John Urry, “The new mobilities paradigm” (2006), apontam para a necessidade de mapear a zona de convergência que atravessa diversos ramos das Ciências Sociais, na passagem para o século XXI, a partir da categoria analítica do “movimento”: com a chamada “virada da mobilidade” (Ibid., p. 208), o pesquisador passa a se deslocar junto com os objetos de pesquisa, percebendo-os em seus itinerários e também em suas imobilidades, o que permite outras possibilidades epistemológicas, com aportes importantes germinando em (e entre) campos como a antropologia, a sociologia, os estudos culturais, a geografia, os estudos migratórios, os estudos de ciência e tecnologia, os estudos de transporte e turismo (Ibid., p. 207). As análises que inscrevem debates das Humanidades e das Artes nesse paradigma também crescem a cada dia. Contudo, parece pertinente aventar que o cinema, arte das imagens em movimento, não tenha ainda recebido suficiente atenção como objeto de pesquisa crucial em tal contexto. Propõe-se, assim, uma contribuição por meio de um percurso exploratório pelos espaços fílmicos do longa-metragem de ficção La Salada (Juan Martin Hsu, 2014), que narra experiências migratórias específicas no século XXI, em busca de mobilidades e imobilidades que aprofundem a compreensão dos espaços sociais com que o filme se relaciona – o principal deles sendo, neste caso, a maior feira popular da América do Sul, localizada em dois edifícios nos limites da cidade de Buenos Aires, Argentina. O diretor do filme, Juan Martin Hsu – um argentino, filho de mãe taiwanesa e pai chinês (RUD, 2020) – faz fluir deste local um recorte provisório que, mesmo sem retratar a viagem dos migrantes em si (a não ser pelo trajeto final da van que traz os bolivianos), revela um espaço de migrações também em movimento, perpassado por diferentes questões raciais, de classe, de gênero. Essa heterogeneidade surge através dos distintos estágios, mais processuais do que temporais, de “desterritorialização-reterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 17) em que se tecem essas subjetividades, estágios sempre incompletos e liminares: daqueles que chegaram há muito, daqueles que acabaram de chegar, e, finalmente, daqueles que nunca conseguem chegar de fato, e seguem habitando um contínuo limbo ou “entredois”. Por meio de um “ziguezague” que relaciona “movimentos díspares” ou os “potenciais” (DELEUZE; PARNET, 1988/1989) entre o espaço social e o espaço fílmico, entre a feira La Salada e o filme La Salada, busca-se alcançar uma compreensão mais múltipla e aberta de um determinado processo urbano de migrações: um “plano de consistência” (DELEUZE; GUATTARI, 2000), com a potência de seus devires. Ao contrário de uma análise mais “sedentária”, que enxergaria a feira apenas pelo intermédio da descrição de formações já estabilizadas, buscamos seguir as dinâmicas que vão permitindo que este lugar deixe de ser este lugar, a cada momento. Tal caminho metodológico que utiliza o cinema como dispositivo de visibilidade de transições, que valoriza o “fora de campo”, por exemplo, como antídoto contra a supressão de alteridades constitutivas – abrindo espaço para o “contágio de ideias estranhas, a circulação de estrangeiros e os encontros imprevisíveis” (CAIAFA, 2019, p. 16) –, parece encontrar ressonâncias importantes no “novo paradigma das mobilidades”, colaborando para a aplicação e expansão de suas ferramentas conceituais. |
|
Bibliografia | CAIAFA, Janice. “Comunicação, subjetividade e transporte nas cidades”. Novos Olhares, v. 8, n. 1, p. 7-19, 2019. |