ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O experimental no cinema operário do grupo Medvedkine de Besançon |
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Autor | Leonardo Esteves |
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Resumo Expandido | Os grupos Medvedkine são constituídos por operários que passam a se interessar pela produção cinematográfica a partir do encontro com Chris Marker e da produção do filme À bientôt j’espère (1967), rodado em Besançon por Marker e Mario Marret. Este documentário é filmado durante a greve de operários na fábrica têxtil Rhodiacéta em março de 1967. Depois de finalizado, é exibido aos operários que participam do filme e é duramente criticado por eles, que alegam que a obra não os representaria adequadamente. Incentivados por Marker, passam a receber aulas de cineastas como Jean-Luc Godard, Joris Ivens, René Vautier, entre outros, e passam a produzir seus próprios filmes sob o abrigo da produtora de Marker, S.L.O.N. Estreiam em 1969 com o média-metragem Classe de lutte, uma produção do grupo Medvedkine de Besançon. Mais tarde, outro grupo será fundado em Sochaux. As duas formações permanecem em atividade entre 1968 e 1974 e produzem aproximadamente uma dúzia de títulos, entre curtas, médias e longas-metragens. O nome do grupo faz referência ao realizador russo Aleksandr Medvedkine, responsável por um experimento chamado cine-trem. Este projeto pretendia levar o cinema para a população espalhada pelo extenso território russo nos anos 1920, produzindo e finalizando obras durante o percurso com a participação popular. Já próximo ao fim da produção do grupo Medvedkine de Besançon, são rodados dois curtas-metragens que destoam significativamente do direcionamento político pretendido nos demais filmes, Lettre à mon ami Pol Cèbe (1971) e Le traîneau-échelle (1971). Tais títulos são eventualmente apontados como “escapadas” formais ou belas por Foltz (2001) e Benoliel (2002). Lettre é dirigido por Michel Desrois e registra uma viagem de carro que este faz indo de Paris a Lille com Antoine Bonfanti e José They – encarregados, respectivamente, do som e da fotografia da filmagem. O motivo da viagem é a apresentação em Lille de Classe de lutte (1969). A princípio, parece soar como um experimento no diapasão do cine-trem, levando Benoliel (2002, p. 36) a ser referir à invenção de Desnois como ciné-voiture (cine-carro). O registro, entretanto, vai tomar um direcionamento imprevisível conforme a luz cai, abarcando um outro tipo de experiência que vai na direção do cinema experimental. Já Le traîneau-échelle, de Jean-Pierre Thiébaud, aprofunda a via poética, deixando para trás o aspecto político que estaria afirmando questões específicas do proletariado. Trata-se de um poema que é lido por uma voz sóbria, ilustrado por fotografias e gravuras de diversas naturezas. É um filme de montagem que fala sobre o tempo, sobre o homem e também sobre a guerra. Neste poema, no qual são confrontadas imagens da natureza, mas também da natureza do homem, a passagem do tempo é também o tempo do homem. A presente comunicação visa discorrer sobre o aspecto experimental presente nesse par de filmes. Sobretudo em Lettre à mon ami Pol Cèbe, cujo contraste com a primeira parte da obra radicaliza uma necessidade de se libertar das pautas exclusivamente relacionadas ao operário e sua condição laboral. Tal pauta já aparece de certa maneira no discurso de Classe de lutte, no desejo de falar sobre arte e escolher Picasso e a reprodução de um dos portraits de Sylvette David como objeto de cena. Mas é intensificada a partir de um ponto de vista estético nesta produção derradeira do grupo. Parecem ilustrar um comentário de Marcuse (1973, p. 106) que observa que “o ‘engajamento’ político converte-se num problema de ‘técnica’ artística e, em vez de se traduzir arte (poesia) para a realidade, a realidade é traduzida para uma nova forma estética”. Nesta nova forma estética, “o conteúdo político torna-se metapolítico, governado pela necessidade interna da arte” (1973, p. 103). Seria o caso de compreender inicialmente essa última safra como evidência de um processo interno que pretende reestruturar o cinema operário pela via do experimental. |
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Bibliografia | BENOLIEL, Bernard. “Libres et sans maîtres”. L’image, le monde, Paris, nº 3, outono 2002, p. 25-37. |