ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Awavena: cinema, mirações e cosmovisão em realidade virtual |
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Autor | tatiana giovannone travisani |
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Coautor | marcella ferrari boscolo |
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Resumo Expandido | Pretendemos desenvolver uma discussão sobre os efeitos da ruptura do quadro tradicional monocular do cinema em função da Realidade Virtual (RV), a partir de estímulos multissensoriais simultâneos gerados por recursos tecnológicos, tendo o documentário de RV Awavena (Linette Wallsworth, 2018) como objeto de análise. Traremos o que Comolli (2008) nomeia de risco do real, a partir daquilo que pode ser elevado enquanto experiência sensorial vivida numa produção cinematográfica expandida. Um dos primeiros estudiosos da comunicação a desassociar a RV da materialidade do aparato tecnológico foi Jonathan Steuer (1995), para quem a chave para defini-la é a telepresença, conceituada como a percepção mediada de um ambiente que depende de duas variáveis: (1) a vivacidade, que resulta de estímulos simultâneos de qualidade sobre os cinco sistemas sensórios; e (2) a interatividade, relativa à viabilização de respostas dos usuários em tempo real. Embora o nosso entendimento sobre RV esteja associado à definição de “uma imersão total dos canais sensórios-motores humanos em uma experiência vívida gerada pelo computador” (BIOCCA; LEVY, 1995, p. 17), sob o ponto de vista comunicacional, esse conceito se volta para a experiência humana. Em Sob o Risco do Real (2008), Comolli defende a não roteirização do documentário como sua base de constituição na fricção dos corpos que filmam e dos que são filmados com o mundo, num movimento contrário à estandardização das relações sociais intersubjetivas que implicam em desenvolver a inscrição cinematográfica submetida à imprevisibilidade do real, isto é, sem se deixar render aos discursos hegemônicos. Acreditamos que há uma dimensão panóptica da RV no cinema, aqui circunscrita à onisciência da cena 360º. Tal dimensão potencializa o risco de inscrição da realidade, ao propor uma tensão do público de forma dialética entre a crença e a dúvida sobre a narrativa e o referente, aumentando as fissuras nos discursos hegemônicos pela sensação de telepresença e possibilidades de agência que impedem de direcionar o foco do espectador em determinado ponto proporcionado pela narrativa. Em Awavena, imergimos nas memórias de Hushahu, primeira mulher pajé Yawanawa, povo indígena que habita a Área Indígena Rio Gregório, no município de Tarauacá, no Oeste do estado do Acre, no Brasil, a partir das memórias de quem percorre a aldeia em suas atividades cotidianas e religiosas. Seu relato se concentra no preconceito enfrentado por ela ao declarar seu desejo de seguir seu chamado religioso, exclusivo aos homens até então. A partir do momento em que ela finalmente é iniciada no ofício, somos levados ao pé de uma árvore Sumaúma e, então, o foco de nossa visão na cena é rastreado pelo headset, passando a receber uma camada de gráficos 3D fluorescentes que nos permitem enxergar a dimensão espiritual da floresta, até assumirem toda a cena para nos imergir nessa instância imaterial da cosmovisão Yawanawa sobre a força, um exercício de mediação do nosso sexto sentido oportunizado pelas mirações por meio da RV. O ápice da narrativa se dá quando, finalmente, o sagrado se revela para a pajé na forma da borboleta azul, a Awavena, no idioma yawanawa, para lhe instruir no caminho de seu ofício. Importante ressaltar o objetivo da protagonista de romper com as barreiras de gênero utilizando o dispositivo do filme como recurso de nos apresentar outra perspectiva sobre o que chamamos de realidade, acrescentando-lhe uma dimensão espiritual que emula o desbloqueio do que conhecemos como sexto sentido. Um uso inteligente do meio aliado às estratégias de filmagens acima comentadas para nos irmanar da natureza, um convite a “transver o mundo” a partir da mulher indígena, sub representada na sociedade e no cinema, inscrevendo esse documentário na realidade não só pela forma como a narrativa se apresenta em ato, mas também, pela sua potência de reconfigurar nossa cosmovisão atravessada pelo dualismo cartesiano em outras possibilidades de ser no mundo. |
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Bibliografia | BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. |