ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Tensionar a representação: exercícios cênicos em Um filme de verão |
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Autor | Bernardo Tavares e Silva Costa |
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Resumo Expandido | No bairro de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, quatro jovens suportam as altas temperaturas dos meses de férias: em Um filme de verão, o último recesso antes do fim do Ensino Médio é a tônica do arco de Caio, Karol, Ronaldo e Júnior. Em diálogo com uma série de filmes da última década que propõem a atores não profissionais a reencenação de seus cotidianos como dispositivo fílmico, o longa de Jo Serfaty o faz em contraponto a uma forte herança imagética que, desde Cidade de Deus, ronda as periferias do território fluminense. Nesse sentido, longe de se ater à discussão do rótulo ficcional/documental de obras que optam por elenco amador, a presente comunicação se insere no ramo dos estudos atorais (GUIMARÃES, 2019), movida pelo desejo de, a partir da escolha estética por tais corpos e suas auto-mise-en-scènes (COMOLLI, 2008, p. 48), cartografar o trabalho cênico desenvolvido e suas operações na ideia de representação. É importante recuperar, então, o estudo de André Brasil acerca de filmes nacionais que iniciaram certo tensionamento no regime representativo, nos anos 2000. Para o autor, a práxis cinematográfica dessas obras, marcadas em sua maioria por uma íntima relação entre realizador e atores não profissionais, sobrepõem formas de vida e formas de imagem. Elas expõem uma narrativa ficcional que constantemente entra em deriva, ao mesmo tempo em que essa suposta documentação de um mundo dito real é também recorrentemente atravessada pelo artifício fílmico. Não faria sentido, portanto, verificar o grau de convencimento de um corpo que representa, pois o referente oculto nesse caso não existe: ele se encontra visível e presente em tela. Por isso, os corpos não são aqui percebidos pela chave da representação, mas da performatividade, ou seja, encontram-se tensionados no conflito direto entre a mise-en-scène, que tenta ordenar a cena, e o gesto, que constantemente eclode em sua espontaneidade (BRASIL, 2010, pp. 5-7). Esse corpo cênico, portanto, seguindo a esteira dos estudos em performance de Eleonora Fabião, avança para além da dicotomia ficção e realidade. É, antes disso, um corpo emaranhado na complexa trama entre memória, imaginação e atualidade (FABIÃO, 2010, p. 323): são atores não profissionais que, ao performarem as próprias vivências, o fazem com evidente consciência cênica. Esse apontamento é relevante para que, como afirma Jota Mombaça, a visibilidade não seja confundida com transparência (MOMBAÇA, 2021, p. 108). Isso quer dizer que a capacidade espectatorial de acesso à visualidade de uma cena e suas implicações narrativas não significa um acesso integral à realidade em tela. Uma percepção performativa desses atores, portanto, estabelece uma forma de opacidade, onde quem vê, apesar da impressão de totalidade, enxerga apenas a parcela daquelas vidas que ativa e voluntariamente se expõe ao olhar da câmera. O opaco da imagem performativa, portanto, se configura enquanto obstáculo para as substituições do jogo representacional clássico, em que um corpo se faz presente no lugar de outro ausente. Tal dinâmica é central na lógica colonial (MOMBAÇA, 2021), pois garante a transparência necessária a um olhar universalizante, que pretende a tudo enxergar e a tudo conhecer, bastaria apenas representar. Esse seria, portanto, um domínio descartiano, em que mente e corpo estão separados e, por isso, a racionalidade, desencarnada, pode não assumir uma posição no mundo e assim pretender a neutralidade (GROSFOGUEL, 2008, p. 120). Na contramão desse regime visual, filmes como o de Jo Serfaty fincam sua estética no corpo dos atores, que não trazem simplesmente sua materialidade para a cena: suas bagagens mnemônicas, seus potenciais de fabulação e o diálogo direto com o renovado presente em que estão inseridas suas existências constroem também uma imagem nunca meramente dada, mas sempre em tensão. |
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Bibliografia | BRASIL, André. “A performance: entre o vivido e o imaginado”. In: COMPÓS, XX., 2011. Porto Alegre. Anais eletrônicos. Porto Alegre: UFRGS, 2011. |